NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 40
NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 40
Rangel Alves da Costa*
A filha de Dona Glorita dessa vez não pôde acompanhar a mãe e esta chegou sozinha ao escritório do advogado. Já havia rezado em casa, na igreja e silenciosamente em cada passo que dava. Também já havia falado com Carmen e através desta, em outro instante, já tomado ciência do que poderia acontecer.
E o que aconteceria, indubitavelmente, era a máxima condenação. Contudo, mesmo com tanta certeza e sem milagres diante da desastrada defesa produzida por Dr. Auto, ainda assim brilhava uma luzinha de esperança lá no fundo do coração dessa mãe sempre aflita e angustiada.
Ora, mas já sabia de tudo, já estava preparada para o pior, mas ainda assim insistia em resguardar dentro de si essa pontinha de esperança. Coisa de mãe, sempre de mãe e sua inabalável fé que o melhor sempre possa acontecer em favor do seu filho. Neste sentido, um velho sábio dizia que a mãe é relógio e tempo para uma família, estava no passado, no presente e no desejar o melhor no futuro; é a crença quando tudo já está desacreditado; é aquela que pressente as sombras e afasta-as para que não se perca o caminho da luz.
Verdade é que a pobre mulher ainda acreditava naquela possível reviravolta defendida mentirosamente pelo safado do advogado. Assim, chegou ao escritório mostrando firmeza e dizendo a si mesma que manteria a calma em qualquer circunstância. Cumprimentou a secretária e até brincou com o ar diferente que se sentia no ambiente, todo aromatizado, perfumado como se o local tivesse passado por uma limpeza geral. Não sabia a mulher o porquê disso ter acontecido.
Em seguida disse à mocinha que havia marcado com o Dr. Auto naquela manhã pra tratarem sobre o processo do filho Paulo. Também não sabia que ele já havia mantido contato telefônico para que a moça dissesse à cliente que naquela manhã tinha uma audiência muito importante e que, portanto, talvez só retornasse bem mais tarde ao escritório. E ainda que ela retornasse no dia seguinte quando, já com a sentença em mãos, discutiriam sobre a decisão do juiz.
Contudo, mais uma mentira do advogado. Havia participado de audiência sim, mas logo cedo, numa marcada para as 07h30min, dando tempo de sobra para retornar ao escritório e atender os clientes. Mas dessa vez a mentira foi muito mais por medo do que por outra coisa. Pelos erros cometidos, as tantas e reiteradas mentiras, já temia mesmo encontrar com mais essa mãe. Também não podia esquecer-se do acontecido no dia anterior com Dona Leontina.
Mas o medo maior era de que Carmen, já sabendo de tudo e tendo feito amizade com a falecida e com Dona Glorita, tivesse colocado na cabeça desta verdades dolorosas e ensinado como tratar o advogado na próxima visita que fizesse. Só de pensar em ser desmascarado, achincalhado, chamado de tudo que não prestava, e com razão, já o deixava demasiadamente medroso, nervoso, agitado demais, até mesmo com vontade de matar aquela pobre mulher que poderia ser a responsável pelo começo de sua ruína.
Desse modo, no retorno do fórum ficou matando o tempo em outros lugares para ver se ficava livre daquela mulher ao menos naquele dia. Se a secretária insistisse para que retornasse no dia seguinte, então certamente ela não ficaria ali a manhã inteira. Contudo, quanto mais a moça dizia que achava melhor ela voltar amanhã ou outro dia mais ouvia que esperaria mais um pouco, que diante da situação até dormiria ali esperando.
Ora, mesmo achando um desrespeito incomparável aquela atitude do advogado e muito estranho que nunca voltasse do fórum, resolveu que já que estava ali ficaria até mais tarde, até o instante que fosse convidada ou forçada a deixar o escritório. Então, quando passou do meio dia sem o retorno do advogado, a moça falou que não havia mesmo jeito e desculpasse mas teria de fechar o ambiente e sair para o descanso do almoço. E assim Dona Glorita levantou sem dizer nada e saiu porta afora, toda se corroendo por dentro, cheia de raiva, ódio, vontade de dizer um monte de coisas à secretária. Mas preferiu relevar e saiu dali levando a sua dor.
Lá fora, nas proximidades do escritório, depois de olhar para o relógio e constatar que já passava do meio dia, então Dr. Auto se encaminhou calmamente para o seu ambiente de trabalho, pois precisava ir até lá apanhar uns papéis. A essa altura já tinha máxima certeza que Dona Glorita já havia saído de lá há bastante tempo, pois ninguém em sã consciência iria esperar alguém aquele tempo todo se a secretária havia dito para voltar depois.
Assim, o causídico já tinha atravessado a movimentada rua quando olhou adiante, na porta do seu escritório, e percebeu que a mulher acabava de sair de lá e já estava na calçada, uns cinco metros à frente. Parou repentinamente, tentou ficar de costas, mas já tinha sido avistado e reconhecido.
Mas o que o advogado fez no momento seguinte foi algo terrível para Dona Glorita. Dr. Auto procurava fugir e ela o seguia chamando pelo nome, até que ele resolveu passar correndo no meio dos carros em movimento e chegar ao outro lado. E, desnorteada do jeito que estava, seguiu apressada atrás dele, enfrentando os perigos dos carros velozes, porém sem enxergar mais nada ao redor.
E foi tamanho o choque que o corpo da mulher foi cair perto do canteiro, no outro lado da rua, onde já estava o advogado. E este agora caminhando tranquilamente sem olhar pra trás.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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