NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 37

Rangel Alves da Costa*

Ao ouvir que Dona Leontina, sua mãe, havia morrido, Jozué rapidamente levantou, afastou devagarzinho os braços de Carmen, fixou-a firme e silenciosamente no olhar e depois apenas se virou e de costas perguntou, erguendo a cabeça em direção à laje em cima, como se ainda não estivesse acreditando:

“Minha mãe morreu, minha morreu? Foi isso que você disse, que minha mãe morreu? Como minha mãe morreu se ela não podia morrer? É verdade que minha mãe morreu?...”. E continuou nessa mesma posição. E Carmen, completamente atordoada, procurava as melhores palavras para se expressar:

“Infelizmente foi isso mesmo que você ouviu Jozué, sua mãe faleceu ontem e foi enterrada ainda nessa manhã. Diante dos fatos e das conseqüências eu sabia que não adiantava falar com o advogado para requerer ao juiz a permissão para que você comparecesse ao menos ao sepultamento. Mas não se preocupe não que sua mãe não ficou abandonada nem foi enterrada em uma vala qualquer. Quando eu soube do ocorrido logo corri para providenciar velório e sepultamento dignos. Conheci Dona Leontina há pouco tempo, quando eu ainda estava trabalhando com esse advogado e ela logo me pareceu ser uma pessoa muito boa, honesta e lutadora. Não fazia nada na vida que não fosse pensar em você dia e noite, deitando e acordando pensando na sua liberdade, rezando e fazendo promessas para tê-lo de volta ao lar. De tanto se preocupar creio que foi enfraquecendo, tendo problemas de saúde, se desgostando de tudo, crendo somente na força divina. Qual é a mãe, Jozué, que suporta, ainda que pense ter a maior firmeza do mundo, que imagine ser a mulher mais forte que existe, ver o seu filho jogado numa penitenciária sendo inocente, sem ter cometido qualquer crime?...”.

“Mas como minha mãe morreu?”, ele interrompeu para perguntar. E Carmen prosseguiu, porém achando melhor modificar um pouco o relato dos fatos, de modo a não complicar ainda mais as coisas. Nessas horas não há como evitar a mentira para aliviar o sofrimento.

“Na verdade, Jozué, sua mãe já sabia que o advogado não tinha conseguido provar sua inocência, pois ele mesmo falou isso a ela. E disse ainda que a sua condenação era fato certo, restando somente esperar a fase recursal quando, através do recurso de apelação, poderia modificar os termos da sentença e conseguir a absolvição. E isso foi como um golpe duro demais no seu coração já fragilizado, algo que jamais pensou em receber. Mas ficou acertado que ontem ela voltaria ao escritório para saber se a sentença já havia saído e quais os reais termos da condenação e, quem sabe, por um verdadeiro milagre, as mãos e o pensamento do juiz tinham agido de forma diferente. Creio que a coitadinha, que já vivia desesperada, ficou em tempo de explodir de tanta aflição e certamente não dormiu de antes de ontem pra ontem. E quando levantou, angustiada demais, sem poder fazer mais nada, antes mesmo de sair sofreu um ataque cardíaco e caiu morta na sala da frente de sua casa. Foi encontrada com um terço na mão. Ainda era cedinho, antes mesmo dela se aprontar para se dirigir até o escritório. Sorte que algum vizinho percebeu ela caída no chão e saiu correndo pedindo ajuda. Como havia marcado com ela após o meio dia, assim que cheguei lá vi pessoas, todas entristecidas, entrando e saindo de sua casa, e então logo imaginei que tinha acontecido o pior...”.

Quanta mentira, meu Deus, mas com o seu perdão, havia de ser assim mesmo, não poderia ser diferente. Naquela situação não, não havia como dizer a verdade vergonhosa e dolorida demais. Se havia cometido pecado, haveria de ser perdoada pelas circunstâncias. E de repente ele se virou novamente, fixou-a mais uma vez profundamente no olhar e disse: “Então ela morreu mesmo, e agora o que vai ser de mim?”.

Disse tais palavras e agora foi a vez dele procurá-la num abraço bem apertado, como se ali estivesse uma irmã, algum familiar adorado, um parente que gostasse muito. E abraçando, sendo um pouco mais alto do que ela deitou o rosto na sua cabeça e começou a chorar profundamente, espalhando as lágrimas pelos cabelos lisos da moça. Retribuindo o abraço, pois ela mesma precisando daquele conforto, também chorava tão profusamente que parecia tomada por todas as dores do mundo.

Instantes depois, pedindo perdão por ter feito isso, pelo gesto desesperado e por ter deixado o cabelo dela daquele jeito, todo desgrenhado e molhado, Jozué procurou respirar mais profundamente, passar a mão pelo rosto, mas ainda chorando perguntou o que ela achava que ia ser dele dali em diante, sem a sua mãe.

Então, mesmo confusa e nervosa, ainda chorando também e procurando se acalmar a todo custo, ela pediu que sentasse e ouvisse o que tinha a dizer. Seria rápida, pois não demoraria e o tempo da visita acabaria. Assim, ela sentou defronte, colocou a mão sobre a mão dele e falou:

“Não se preocupe que você vai sair daqui o mais brevemente possível. Vou colocar uma pessoa para continuar tomando conta de sua casa e pagando o aluguel. Não se preocupe com isso não. Com relação ao advogado que ao invés de lhe defender acabou prejudicando, este também já está fora do caso. Eu mesma providenciarei outro advogado para prosseguir na sua defesa, providenciar recursos e o que couber. De uma forma ou de outra, seja em que instância for, será provada a sua inocência. E não somente isso, mas também o jogo sujo que fizeram para acusá-lo e levá-lo à condenação, a corrupção que houve por trás disso tudo e o envolvimento de pessoas poderosas. E tudo porque um safado de um pai que não soube criar um filho faz de tudo para protegê-lo nos seus atos criminosos acabando com a vida de outro. Tudo isso será levado em consideração, pois passarei em detalhes todos esses fatores para o seu novo advogado. No demais Jozué, só posso dizer que gostei muito de tê-lo encontrado, ainda que numa situação difícil como essa, gostei muito de sua pessoa, de sua sinceridade e da maneira como expressa o amor que sente por sua mãe, e não se preocupe que virei aqui outras vezes. Assim que puder estarei aqui...”.

Ela já ia levantando quando ele perguntou como podia fazer isso tudo, se ele não tinha nada para gastar com advogado nem para manter a casa alugada. Então ela respondeu:

“Também não se preocupe com isso. Os meus pais têm condições e haverão de me ajudar nessa causa mais que honrosa. E digo mais Jozué: em memória e consideração a Dona Leontina, de agora em diante lutarei em seu favor como se fosse sua própria mãe, ainda que ela seja insubstituível”.

continua...

Poeta e cronista

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