NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 8
NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 8
Rangel Alves da Costa*
Dona Glorita saiu da sala do advogado quase sem suportar tanta agonia. Não estava somente desapontada, mas profundamente temerosa pelo futuro do filho. Pelo que havia sido relatado, a sentença que sairia brevemente nada mais seria do que um decreto condenatório. Só faltava saber quantos anos nas costas do inocente.
Segundo ainda o causídico, nada mais poderiam fazer naquela instância judicial senão esperar os termos da sentença e pensar numa possível apelação. Explicou que apelação criminal é o pedido que se faz à instância superior, ao Tribunal de Justiça naquele caso, no sentido de reexaminar a decisão proferida pelo órgão inferior, ou seja, o juiz que proferiu a sentença. Em todo caso pediria a absolvição, a diminuição da pena ou qualquer outro pedido, diante da condenação aplicada.
Contudo, como salientou bem, para que esse recurso de apelação pudesse ser interposto ela teria que procurar o Deputado Serapião Procópio para que desse ordens para que continuasse acompanhando o feito. Do contrário, teria que arcar com os honorários de outro advogado ou se submeter à lentidão protocolar da defensoria pública. Ele mesmo poderia ser contratado, mas o valor que teria de cobrar certamente ela não suportaria pagar. Foi o que ouviu. E por isso mesmo abriu a porta parecendo uma pessoa que acabava de enterrar um ente muito querido.
Dona Leontina e Carmen Lúcia correram para acudi-la porque dava claras demonstrações de que iria desmaiar. Mas a mãe de Paulo nem pôde prestar uma assistência maior à nova amiga, vez que fora informada que Dr. Auto Valente a aguardava sem demoras. Desse modo, aquilo que seria uma esperança para uma mãe cheia de fé, se transformara num transtorno ainda maior, num sofrimento indescritível. Ao lado dela, Carmen procurava confortá-la da melhor maneira possível.
Diante do quadro apresentado por Glorita, Leontina já entrou na sala com as pernas tremendo, nervosa demais e com a cabeça a ponto de explodir. Nunca tinha dor de cabeça, mas naquele momento ela havia chegado desconcertante. Os olhos turvavam, a boca era de pura sequidão e as mãos pareciam com algum transtorno tremulativo. Sentou como o corpo deixou e abriu a boca para falar qualquer coisa antes de ouvir o pior, como infelizmente esperava.
“Dr. Auto me desculpe perguntar, mai será que vou sair daqui do mermo jeito que a aquela pobre mãe? Não quero nem saber o que o senhor disse a ela, mas só pode ter sido uma coisa muito ruim pra bichinha ficar assim daquele jeito. Deus não permita isso, mai vai ver que não tem jeito pra o filho dela...”.
E o causídico nem deixou a mulher prosseguir:
“Por enquanto não tem jeito nem para o filho dela nem para o seu. Infelizmente tenho que dizer isso. Do mesmo jeito que com relação a Paulo, o filho dela, não vai demorar muito, talvez coisa de amanhã ou depois, pra sair a sentença do seu filho Jozué. E para que a senhora veja como são as coisas da vida, o mesmo juiz que vai selar o destino de um também vai selar o do outro, pois é o mesmo magistrado que está com a competência para os dois casos. E vou dizer logo para que a senhora mais tarde não se assuste ou não se desespere, mas a mesma pena que seria para o verdadeiro bandido, o outro Josué, vai ser proferida contra seu filho. O seu filho deverá ser condenado à pena máxima, pois consta que o outro Josué já havia sido condenado criminalmente, era de péssimos antecedentes e um verdadeiro transtorno à sociedade. Assim, as circunstâncias dele são todas agravantes. Não obstante isso, vinha praticando outros crimes e tinha contra si uma mandado de prisão expedido pela justiça...”.
“Mai durante todo o processo não foi mostrado, provado e comprovado que a polícia prendeu o homem errado, que deveria prender outro Josué e prenderam o meu Jozué? O juiz e o tal do promotor não ficaro sabeno que o nome dos dois tem uma letra que é diferente, que um se assina com “zê” e o outro com “si”?”. Dona Leontina não sabia nem mais o que falava, mas lembrou desses aspectos importantes.
Numa situação dessas, muitas vezes pouco importa se a mãe está com a razão ou não, pois sempre estará para não complicar ainda mais as coisas. Contudo, nesse aspecto, indubitavelmente ela estava com a máxima razão. E tanto sabia disso que o advogado falou:
“A senhora está certa, mas lógico que foi assim mesmo. A polícia prendeu o homem errado, íntegro, honesto, e deixou o bandido solto, como não é raro acontecer. Se por um acaso o verdadeiro marginal tivesse sido encontrado, aí não haveria dúvidas. O problema é que nem tiveram mais o trabalho de se preocupar com ele, por mais que a gente alertasse sobre isso, batesse forte na defesa e até procurasse a secretária de segurança para relatar tal ocorrido. Mas nada disso surtiu efeito, pois o delegado afirmou que um bandido daquela periculosidade poderia muito bem fazer a coisa mais fácil do mundo, que era mudar uma letra no próprio nome para tentar confundir a justiça, vez que sabia que já existia mandado de prisão contra ele. Ele, com a arrogância que sempre é peculiar nesses novos delegados, com um abuso de poder absurdo, chegou a me dizer que se eu quisesse provar que aquele Jozué não era o procurado então que fizesse isso na justiça, pois naquele momento quem deveria decidir era o juiz...”.
“E o que o juiz disse, doutor?”, perguntou Leontina, entrecortada pelo contínuo choro.
“O juiz não vai dizer, no primeiro momento, se ali estava ou não um ou outro Jozué. O que ele fez então foi verificar que já existia um mandado de prisão. A denúncia do promotor já havia sido apresentada e só me coube, naquele momento, apresentar defesa preliminar. Nessa defesa disse toda a verdade que podia dizer, mostrei sob todos os aspectos que haviam prendido a pessoa errada, juntei todas as provas documentais e requeri a ouvida de testemunhas e de prova pericial. Então, o passo seguinte foi passar à instrução, que é o momento processual onde tudo isso é destrinchado. Mas antes disso descobri uma coisa que me deixou apavorado...”.
“O que, doutor?”, quase grita a mulher.
continua...
Poeta e cronista
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