Mente cansada

O velho deitado pensa: “O que farei em mais um dia longo? Fico na varanda ou na frente da TV?”. Já parou hoje para ouvir as queixas de um idoso? Já parou para pensar em algum? Eles, pelo menos digo por parte do meu avô, eles dormem, sim dormem sentados, e pensam no que fazer, passam mais tempo pensando no que fazer do que de fato fazendo, passam o tempo lembrando, a maior parte lembrando de quando era jovem e forte, olha só pra essas pernas que já não agüentam mais nada menina. Você tem sorte de ser jovem, ah, se eu voltasse a minha juventude. Meus joelhos doem menina, me ajude aqui. Puxo o banquinho, para esticar suas pernas. E essa gripe, que volta e meia, me pega de jeito. Uma vez por mês, isso, exata uma vez por mês ela aparece, estraga um pouquinho com esse velho e manso corpo, e vai embora. Mas, sarou vô? Não! Sarou, grita minha avó de longe. Ela não sabe, não está dentro de mim. Sorrisos encabulados. Ai, esses joelhos. Tão fracos. Antigamente conseguiam ir até a vila, comprava pão, café, voltava pra casa e ainda tinham disposição de soltar as galinhas, ah, mas isso faz tempo. Mês passado te vi indo comprar pães... Mês passado é muito tempo. Pega pra mim aquele pedaço de pau menina, tenho que ficar com ele por perto, sempre aparece uma serpente querendo engolir alguns ovos, e se ela aparece e estou sem esse pedaço de pau, ela engole tudo. Eu quando estou com o pau, não deixo. Já devo ter matado umas dez, com a pancada certeira, na cabeça. É uma só, e aquela valentia de serpente, aquela coisa de botar medo sabe? Aquilo acaba num solavanco, é muita esperteza pra pouco corpo. Um dia, quando Ele achar necessário, devolverá o resto do corpo pra ela, bicho nenhum merece viver sob a sentença de se arrastar pelas metades. E você menina, já tem quantos anos mesmo? Doze? Ah meus doze anos, trabalhava muito, meu pai tinha um açougue e andávamos um bucado pra ir ajudá-lo. Minha mãe ia todo dia levar uma marmita pra gente almoçar, era a melhor parte. Nunca soube se minha mãe já ia almoçada, ou se deixava aquilo pra gente, pra gente não passar fome enquanto a barriga dela roncava, ouvia sempre sua barriga gritar, um dos barulhos que sempre que escuto lembro de minha mãe, é de barriga roncando. Agora já ta tarde minha filha, vou entrar, tomar meu remédio e aproveitar pra tirar um cochilo. Obrigada por fazer companhia pra esse velho avô. Quer ajuda pra levantar? Não, meus joelhos não estão tão maus assim. Sorrisos, últimos sorrisos, de quem abriu caminho pra ir se deitar, e descansar, de fato se deitou, de fato, descansou, mas o fato de se levantar sozinho depois disso, não aconteceu, não levantou, ficou, dormiu para não mais acordar, dormiu porque tinha garantido que suas histórias, enfim contadas, não morreriam com aquele corpo velho, as histórias passariam eternas, tanto pra menina, quanto para os ouvidos que as escutaram, ou olhos que as leram.

Dani Fontana
Enviado por Dani Fontana em 30/07/2011
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