O PARAÍSO DE ANA
Eduarda Kellya conhecia bem a mania de Ana Vitória , sua irmã, de apreciar da janela o lindo jardim tão bem cuidado por Francisco, o jardineiro.
Foi no domingo em que tudo aconteceu. A viagem dos pais a Petrópolis somada à folga de Francisco fez aflorar em Ana Vitória a ideia de um piquenique.
Os jasmins e as violetas acrescentavam às suas exuberâncias o exalar de perfumes mais intensos do que quando absorvido da janela. Assim seria a inspiração nos domingos em que elas podiam ficar sozinhas...
Embora o horário meio impróprio, o convescote enfim iniciou-se à noitinha e, não fosse um novo perfume vindo não se sabia de que parte da pequena vegetação, tudo andaria como combinado.
Era um cheiro de alfazema. Mas não havia ali nenhum arbusto aromático que exalasse tal fragrância, o que fez o simbólico piquenique ceder lugar a uma necessidade de abraços medrosos entre elas em razão do bálsamo invasor. Alguém além das duas estaria ali? Especialmente Ana conhecia todas as plantas; mas então de onde vinha aquele cheiro mais e mais intensificando o próprio mistério?
Num impulso de curiosidade e desafio, elas resolveram pegar uma lanterna e começaram examinar o agradável vergel. A claridade projetada pela pequena luminária ora flagrava belos brotos de laranjeira, ora excluía as roseiras ao mudar do itinerário da luz.
Ao final, começaram a balbuciar palavras calorosas e solidárias, como se a inusitada fragrância obedecesse ao calor fraterno da voz humana.
Foi quando Eduarda, ao focar acidentalmente o olhar escondido da irmã, pode conferir o frasco aberto de alfazema no bolso de Vitória. Com gestos reprovativos, Kellya converteu o abandono do medo na posição de irmã mais velha e ferida ao que Ana, em defesa, emendou:
– Como queria que eu a fizesse percorrer meu jardim além da janela!?
Entre risos e intimidades há muito adormecidas, Eduarda, abraçando forte a irmã, ornamentou ainda mais o paraíso de Ana.