" O PIANO E A SERENATA" (TEXTO CURTO)

“ O PIANO E A SERENATA”

Enervante, o despertador tocara mais uma vez... Laura, em seu habitual fastio, levantou-se da cama e mecanicamente pôs-se a arrumar-se... O corpo ainda jovem, esguio, era diariamente encoberto por um severo “tailleur”,que despoticamente anulava suas feminis e provocativas formas...

No interior da sala do escritório, a voz imperativa, densamente modulada da mulher, a todos comandava quase que hipnoticamente...

Os dias corriam maçantes, e massaficadores; e pareciam não oferecer qualquer surpresa à bela moça, a qual há quinze anos passados fechara-se para a vida!

Desde o término de seu namoro, com aquele que pensara ser o único merecedor de suas românticas atenções, a executiva desistira do mais nobre mister da existência humana, qual seja: amar e ser amada!

Certo dia, ao voltar do trabalho, Laura recebe em seu luxuoso apartamento a visita de sua irmã Marina. Modestamente vestida, com os cabelos longos adornados por uma presilha,mãos grandes a denunciar a aspereza do cotidiano,Marina, entretanto irradia felicidade.

William,garoto esperto, saudável, corado,a tudo olha atentamente... De repente, faz um pedido à austera tia.

_ Tia, toca piano! Uma musiquinha só!

Laura, espantada com a solicitação do menino olha em volta... O piano está ali, cerrado,potencialmente desafinado, entregue que está à morte prematura!Nunca mais, sentara-se defronte a ele, sequer dedilhava mansamente o seu teclado...

Decidida, Laura caminha em direção ao instrumento... Abre receosa sua tampa, senta-se, posiciona os pés calçados em um elegante sapato de salto alto... As mãos estão trêmulas, o grande anel de água marinha atrapalha a execução dos primeiros acordes... Perseverante, a mulher continua a ensaiar os iniciais toques... Desinibida,acaricia as teclas do piano com meiga e notável avidez... Schubert baila então, inebriado... Sua sereneta está novamente a salvo... Lágrimas rolam, pelo rosto aflito de Laura...

Naquele instante, o telefone toca... Laura o atende... Reconhece a voz de Paulo,elegante, cavalheiro,seu mais novo vizinho...

Não hesita... Solta os loiros cabelos,usa um vestido floral, e não nega seus lábios aos flamejantes beijos...

Novamente inserida no contexto da existência,Laura se faz mulher nos másculos braços de seu homem, pessoa simples, sem afetações,mas que na arte de amar é rei e faz da parceira sua eterna majestade...“

Ivone Maria R. Garcia (Ivoninha)

07/01/2011