Saco de Lixo
O saco de lixo, vazio e embalado, próximo à sessão de limpeza do local onde o expuseram.
Quando chegar a sua nova morada, provavelmente estará também enclausurado em outra seção de limpeza, antes artefato industrializado, agora domesticado.
Muitas vezes, nem nos damos conta daquele objeto e de sua finalidade enquanto produto.
Seguimos nossas vidas, adquirimos coisas, depois vem à mente o pensamento inquietante do que fazer com ela, no momento de descartá-las ou desfazer-se do sentido de uso, é ele, o saco de lixo, quem aparece nitidamente.
Logo, o sentido vem à tona de forma evidente, aquela forma outrora inexpressiva, torna-se útil a nossa necessidade de dar fim ao "desnecessário".
O saco de lixo ganha forma diferenciada, volume, preenchido, deixa de ser vazio, torna-se cheio, ganha peso, torna-se misterioso por ocultar o conteúdo, que conserva absorvido em seu interior.
Quantas vezes não desejaríamos, que o saco de lixo absorvesse um pouco do que concebemos como desnecessário em nossa própria essência, mas lembramos dele não parecer tão profundo.
O saco de lixo soma-se a outros, espalhados ao longo dos locais que costumamos ou não trafegar, um exército de glutões da desnecessidade humana.
Eles, os sacos de lixo, colocam-se submissos a nossa vontade de se desfazer e ocultam aquilo que não desejamos nem mesmo olhar de soslaio, são a purificação da nossa pútrida essência, quase sacerdotes, com suas batinas que vão de tonalidades, desde o azul celeste até o negrume mais sombrio, purificando toda a metrópole, escondendo o que consideramos "sujo" ou descartável, embora conserve o aroma fétido.
Mas chega um momento em que o saco de lixo não consegue dar conta do volume, tendo em vista nossas desnecessidades serem maiores do que sua capacidade de atendê-las.
Chega-se ao ponto de tornar-se uma contradição em si, pois o saco de lixo também acaba sendo desnecessário, podendo até ser absorvido por um dos seus, como uma antropogia - o certo seria "sacodelixofagia" -, entre iguais, ou sendo desmembrado para outros fins.
Mas, até onde desejaremos que a profundidade do saco de lixo nos alcance? O desnecessário não possui limites na sociedade-desnecesária.
Talvez chegue o dia em que a própria sociedade, a existência humana, seja engolida, quem sabe por um grande buraco negro que possa digerir essa putrefação humana, que já se faz nauseante em certas galáxias, fazendo papel de saco de lixo universalizante.
E desejaremos que o buraco negro seja realmente infinito em sua profundidade, para que se perca a existência deste lixo absorvido, que agora consumido, perca a corrupção que possuía em sua funcionalidade pré-absorção, deixando de ser o que outrora denominaram "homem".