O violinista cego

Feche os olhos e deixe a noite tocá-lo! Sinta a chuva molhar suas roupas enquanto você ouve os sinos de uma igreja anunciando a meia noite.

Cheire o ar ainda poluído pela fumaça dos automóveis e o odor nauseante de lixo acumulado nas ruas, produto da irracionalidade humana.

Feche os olhos e deixe a noite tocá-lo e você sentirá em parte o que ela é... Pois somente um homem pode experimentar a totalidade de sua imensidão... Um cego.

Viver na escuridão é quase morte, contudo ela não tem nenhum sentido quando ainda se tem muito que viver! Felipe não entendia o motivo de estar pensando tanto nisso. Talvez fosse seu subconsciente o estimulando a fazer uma revolução em forma de arte.

Quando resolveu comprar aquele violino, ele não sabia muito bem qual o propósito. Muito menos que iria chegar tão longe.

Timidamente começou a arranhar as cordas do seu violino; estava em seu quarto, sentado na beira da cama, esta bem forrada, com a janela aberta para que o som se espalhasse pela cidade, naquela manhã de outono.

Estava construindo algo que parecia uma música, quando ouviu o latido do seu cão guia, companheiro inseparável, anunciando a presença de alguém em frente à porta, quase ao mesmo tempo em que a campainha estava sendo tocada insistentemente.

Desceu, vagarosamente, as escadas que o levaria a porta e pediu para que o tocador de campainhas lhe informasse quem era e o que desejava, embora soubesse se tratar de uma pessoa de bom caráter, a julgar pela reação de seu amigo peludo que insistia em agitar a cauda. Uma voz de timbre forte e determinado atravessou a madeira da porta e lhe tocou os tímpanos, avisando o nome e a profissão de seu portador. Portadora, aliás. Felipe abriu a porta e ela lhe desejou bom dia. Angélica possuía uma voz gostosa de ouvir; suave e límpida como uma brisa de primavera. Seus cabelos avermelhados se esparramavam por seus ombros, como se fosse uma calda de um cometa. Se Felipe pudesse vê-la, ateria adjetivado, simplesmente de encantadora. Um adjetivo um tanto modesto se tratando de Angélica.

Ela pediu licença e entrou na casa se sentindo tão à vontade quanto na dela. Observou o local repleto de cores nas paredes e quase nenhum móvel. Olhou para ele alegre por descobrir que ele quem estava tocando o violino. Depois de olhar e memorizar o local, ela abaixou-se, fez um afago no pescoço do cachorro e se dirigiu ao sofá para repousar. A manhã estava calorenta aquele dia. Disse a Felipe que o guiaria em sua carreira estrondosa como violinista. Ele não entendeu, apesar dela ter lhe explicado sobre o dom que ele possuía. Ela conversou com ele e o achou muito inteligente.

Ela voltaria no dia seguinte e nas próximas semanas para lhe dar aulas de violino. Ele por sua vez aprendia rápido e criava suas próprias canções.

Em uma tarde ensolarada, eles saíram juntos para tomar sorvetes, ambos sendo arrastados por Spike, que era um Husk Seberiano bastante agitado e teve de se contentar apenas com biscoitos para cães. Depois ela disse que gostaria de ficar a sós com ele, então deixaram o cãozinho no Pet Shop.

Angélica levou Felipe para fazer compras. Aquela um dia fora uma estranha, tornava-se aos poucos, de forma rápida e intensa, sua melhor amiga. Mas analisando o bater do coração dele, poderia se disser mais do que simples amiga.

Foram ao shopping. Ela é que escolhia roupas, cores e modelos. Ela já sabia seu tipo de sapato preferido e que cor lhe caia bem. Depois de algumas horas de passeio e comprar pelo shopping, Angélica o analisou.

Ele estava de smoking de um preto reluzente e sua pele cor de creme e seus cabelos negros o deixavam ainda mais charmoso. Realmente lindo! – ela pensou.

Saíram felizes e rindo. Ela teria uma surpresa para ele sem saber que ele já planejava algo desde os primeiros ensaios.

Angélica levou Felipe para um espaço feito para alojar centenas de pessoas; com piso de madeira e onde tinha uma poltrona bastante confortável. Ela segurou no cotovelo dele, e carinhosamente o fez sentar na poltrona, entregou-lhe um violino novo, feito de carvalho e pediu para que ele tocasse algumas de suas criações musicais para ela.

Ele começou a tocar com uma paixão, que a melodia deveria ser invejada por todos os rouxinóis. Com tanto amor, que as notas saiam como sorrisos. Quando ele terminou, ela o ajudou a levantar enquanto cortinas se abriam e as luzes centralizavam nele. Espaço onde estavam nada mais era do que um local para concertos e óperas. Ela o virou para a platéia que ouvira o espetáculo, “às escuras”, sem encarar o artista.

Os olhos de Felipe, cegos e frágeis derramavam lagrimas diante daquele público que aplaudiam de pé, puderam entender a imensidão do Violinista Cego.

Após as lágrimas ele procurou por Angélica, tateando o ar, até que ela lhe deu a mão. Ele a puxou para um beijo apaixonado. A materialização do seu desejo, sem metáforas ou poesias de enganação. Os aplausos ficaram mais fortes, enquanto se abraçavam e ele lhe dizia ao pé do ouvido, sem que ninguém soubesse, como se fosse um segredo íntimo:

- Devo minha dádiva de viver a você... e gostaria de fazer parte da sua. Angélica, quer se casar comigo?!

Ela o observou. Ela o amava. Seus olhos frágeis se irromperam em lágrimas e ela respondeu entre sorrisos:

- Você é minha dádiva Felipe... claro que eu quero me casar com você!

Um casamento era tudo que poderia surgir daquele encontro inesperado. Ela o amava além de sua deficiência... e ele a amava mais do que ela podia enxergar.

Realmente... não dá para insistir que o amor é cego, se tudo começa de um simples olhar.

Jefferson Messias
Enviado por Jefferson Messias em 27/11/2010
Reeditado em 30/11/2010
Código do texto: T2639183
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