O cadeirante campeão
Não quero dó. Quero uma bola de basquete!
Foi essa a decisão que eu tive e disse a meu pai enquanto ele me levava ao dentista para trocar as borrachas do meu aparelho. Já estava cansado de todos aqueles olhares de pena de mim. Mas em breve minha vida mudaria; só não imaginava que fosse tão rápido e de forma tão intensa.
Na semana seguinte, já de borracha nova deixando meu sorriso azul, vi meu pai chegando com uma caixa grande, onde tinha um uniforme original dos Hilokers e uma bola oficial da Naike. Quase pulei da minha cadeira de rodas no colo dele. Ele voltou para o carro e tirou do porta-malas uma tabela de basquete e a montou no quintal, que era espaçoso o suficiente para isso.
Depois disso foi só alegria. Voltava do colégio e ia treinar arremessos de três pontos. E eu estava ficando bom naquilo. Nos finais de semana eu jogava com meu pai; quem perdia pagava o sorvete; paguei o sorvete só por uma semana e ele, coitado, continua pagando até hoje.
Preciso dizer também que quarta-feira era o dia do colégio que eu menos gostava, pois era Educação Física e eu nunca participava, pois só era dado futebol.
Mas aquela quarta-feira foi diferente. O professor Anderson saiu de licença paternidade e o Mauro assumiu a turma. E ele determinou que fosse basquete ao invés de futebol. Quase chorei, ainda mais quando ele me escalou no time. Agradeci meu pai mentalmente, fiz uma prece rápida e fui para a quadra.
Não bastasse eu ser o capitão do meu time, fui o cestinha do jogo. O pessoal não gostou. Disseram que eu estava apelando por usar minha superchair. Achei uma maneira engraçada e bastante carinhosa de dizerem que eu era um bom jogador.
A aula acabou, fui pra casa com meu pai, já que ele sempre me buscava depois da aula. No caminho contei a ele sobre o meu feito heróico na aula de Educação física e ele ouvia empolgado, cada palavra da minha aventura. Eu amo meu pai!
Quando o relógio da cozinha marcou 16h00min, o telefone insistia em tocar. Imaginei que fosse minha mãe, pois ela liga sempre à tarde para saber de mim. Ainda não contei a vocês, mas o faço agora. Meus pais são separados desde o dia em que nasci. Não sei o motivo, mas sei que já faz 15 anos.
Não era minha mãe, era o professor Mauro. Ele falou com papai, pois foi ele quem atendeu ao telefone visto que eu estava ocupadíssimo... Comendo meu lanche e assistindo TV. Ele colocou o telefone no gancho pálido, parecendo uma vela, só podia ser sacanagem dele pra me assustar. Perguntei o que houve e avisei logo que não importa o que tenha acontecido eu era totalmente inocente. Ele explicou que meu professor também era treinador e olheiro da seleção de basquete da cidade e queria saber se eu gostaria de fazer parte do elenco. Até engasguei. É assim mesmo, felicidade demais engasga; normal.
Na semana seguinte comecei a treinar com o pessoal que também são cadeirantes. Muito legal. Meu pai que, aliás, se chama Vagner, assistia a todos os treinos e me apoiava sempre. Mas minha mãe, Eloísa, gritava mais que ele. E nem pense em perguntar-me quando nem por que. Eu que sou filho não me meto.
Depois de dois meses de treino duro, águas geladíssimas e gargalhadas, fomos inscritos no torneio regional. Passamos todas as fases. Ganhamos todas as partidas. Meu pai e minha mãe estavam juntos na arquibancada quando fomos campeões e à minha frente quando ergui a taça de vencedor. O choro deles e o meu se unia com o berro da torcida gritando meu nome. FERNANDO! FERNADO! Fiz força para não engasgar novamente, mas não teve jeito. Afinal ganhei o troféu de melhor jogador do campeonato.
Pensei que tivesse acabado por aí, quando o treinador da Seleção Nacional me trouxe uma superchair novinha e me entregou nas mãos a bola de ouro e um uniforme verde e amarelo, que representava as cores do meu país.
Eu escreveria o que aconteceu depois que saímos dali, mas estou atrasadíssimo para embarcar no meu vôo para a Rússia, onde eu tenho como Capitão, a responsabilidade de conquistar o Torneio Mundial.