ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 3

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 3

Rangel Alves da Costa*

Zezinho acordou no meio da noite e sentiu tudo muito estranho ao redor. Ficou assustado porque não viu sua mãe por ali e percebeu que estava trancado dentro de um ônibus. Caminhou tateando pelas poltronas e conseguiu alcançar a parte da frente do veículo, junto à porta, que por sorte pôde ser aberta por dentro.

Desceu cuidadosamente, olhou para os lados e só viu um monte de ônibus parados dentro de um imenso pátio. Caminhou pelos espaços, enxergou algumas luzes por trás de janelas envidraçadas, porém preferiu não bater em nenhum daquelas portas. Seu instinto foi imediatamente procurar sair dali, encontrar um jeito de ir para o lado de fora e sair por aí procurando sua mãe.

Sabia que havia deixado sua mãe segurando a mala na rodoviária e teria que encontrá-la, mas primeiro tinha que saber onde era a rodoviária, pois mesmo ali estando cheio de ônibus tinha certeza que não podia ser naquele local. Faltavam as pessoas, o barulho, o sobe e desce, o corre-corre, mas principalmente faltava sua mãe.

Avistou um portão bem largo, se encaminhou para lá, olhou por onde poderia sair, até que enfiou seu corpo fino por entre as grades e conseguiu alcançar o outro lado. Caminhou um pouco de um lado para outro na rua escura e de casas com portas fechadas, olhou para ver se enxergava a rodoviária, mas nada.

Tenho que encontrar minha mãe o mais rápido possível, dizia consigo mesmo. Tinha que encontrar logo porque já estava ficando amedrontado com aquilo tudo, já estava com fome e sede, e ela sempre lhe dava o biscoito e a água que precisava. Sentou um instantinho no meio-fio, baixou a cabeça e ficou pensando no que poderia fazer, para onde poderia seguir naquele momento.

Levantou em seguida e foi seguindo pela rua em busca de um lugar iluminado, onde tivesse gente e ao menos pudesse perguntar às pessoas se tinham visto sua mãe. E quanta inocência, meu Deus!

Noite fechada, as únicas coisas que podia avistar eram casas fechadas e a movimentação de poucos carros que passavam. Enxergou bem longe um monte de luzes acesas e resolveu caminhar até lá.

Chegou numa pracinha abandonada, com mato tomando o lugar de quase tudo, ferrugem tomando conta daquilo que era brinquedo, apenas alguns bancos espalhados pelos cantos. Ficou alegre quando viu o balanço, mas este estava destroçado; correu para olhar o sobe-e-desce, mas este não subia nem descia mais. Sentou num dos bancos e ficou olhando aquele mundo estranho.

A cada instante que passava a fome e a sede aumentavam. Olhou para um lado e para o outro vendo onde poderia encontrar água, até que avistou uma torneira embaixo de uma casinha ali mesmo no meio da praça. Foi até lá, abriu devagarzinho a torneira na maior ânsia e expectativa do mundo, e os olhos brilharam de alegria e a boca se encheu de água assim que ela começou a jorrar.

Mas que água doce e gostosa, saborosa e tudo na vida, tomada com a mão mesmo, enchendo a boca e molhando o rosto todo, enchendo a boca e molhando a roupa toda, enchendo a boca e sendo arremessada pelo ar. Que festa era beber água e matar a sede. E por que não aproveitar para tomar um banho?

Procurou até encontrar no lixo um copo vazio de plástico, lavou direitinho, depois olhou ao redor para ver se vinham pessoas, e então tirou cuidadosamente a roupa já molhada, estendeu num cantinho e foi tomar banho como veio ao mundo, nuzinho da silva.

Era uma festa de água banhando o menino, era o menino em festa por alguns instantes. Até que o frio começou a chegar e Zezinho vestiu novamente a roupa molhada e foi sentar novamente no banco da praça. A sede não existia mais, estava tomado banho, o problema era a fome que aumentava ainda mais.

Você está com fome Zezinho? Jurou ter ouvido a voz de sua mãe perguntando isso. Alegrou-se olhando para ver se a enxergava, mas nem um vulto sequer. E não teve jeito. Foi a primeira vez que Zezinho abriu sacos de lixo para encontrar comida. E comeu restos de qualquer coisa sem poder reclamar.

E foi a primeira vez também que dormiu ao relento, abandonado, no meio do mundo.

continua...

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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