ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 2
ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 2
Rangel Alves da Costa*
O ônibus chegou à capital por volta do meio-dia e assim que estacionou no terminal rodoviário o local parecia mais um formigueiro de gente. Dali, Rosinha e Zezinho teriam que esperar chegar o entardecer para embarcar noutro transporte. Este diretamente para a capital sulista, onde depois do cansaço dos infinitos quilômetros percorridos, esperariam encontrar o conforto do abraço da parenta que estaria aguardando a chegada dos dois.
Contudo, nem de longe tal destino seria alcançado, pois quando o ônibus chegou nesse primeiro terminal de desembarque, num segundo apenas a mãe soltou o braço do filho e a multidão se encarregou de separá-los para sempre.
Foi realmente questão de segundos. Tudo muito rápido e inesperado. Bastou se abaixar um pouco para pegar a mala, soltar a mão do menino, e até sempre. E por mais que gritasse pelo nome do filho, empurrasse e afastasse as pessoas, corresse de um lado pra outro, perguntasse a um e a outro se o tinham visto, começasse a chorar e a se desesperar, nada de Zezinho.
Diante do alvoroço da mulher, acorreram guardas, vigilantes e policiais para saber o que estava ocorrendo, e então começou outra correria para procurar o menino. Anunciaram no serviço de som, berraram e gritaram, vasculharam em cada lugar e canto, por baixo das cadeiras e nos banheiros, nos corredores do terminal, dentro das lojas e guichês, porém nada de encontrar o menino.
A cada nova notícia desanimadora que chegavam para informar, mais a pobre mãe ficava aflita e chorava, chegando por vezes a gritar "Quero meu filho, quero meu filho... Zezinho, ô Zezinho, apareça meu filho, pelo amor de Deus".
Mais de uma hora nessa angústia e nem o menor sinal de Zezinho. Pessoas chegavam para confortar a mãe e dizer que ficasse calma que o filho seria encontrado e grande parte delas sempre insistiam para que tomasse um calmante, um remédio disso e daquilo, um comprimido para acalmar. E a mulher ficava cada vez mais entupida de remédios, até que o coração reagiu, não suportou e parou repentinamente.
Rosinha, de uma vermelhidão intensa quando começou o ataque, logo depois de cair ficou com um arroxeado esquisito e olhos esbugalhados. Morta, estirada no chão desconhecido, a sertaneja teve seu destino interrompido ali mesmo, naquele momento. Não reencontrou o filho, não o reencontraria jamais, ao menos naquele corpo amoroso de mãe.
Não demorou muito e recolheram o corpo indigente. Por incrível que pareça, não se preocupam com a vida, a saúde e a segurança das pessoas, mas basta que algum pobre caia desfalecido em local de grande aglomeração e logo chegam os serviços públicos para recolhê-lo, para levá-lo só Deus sabe pra onde.
Nem pensar em deixar um pobre corpo estendido num local onde poderia enfear a imagem da cidade. A cidade grande é importante demais diante de um reles corpo estendido no chão. Depois se torna apenas estatística, cova rasa e esquecimento.
Verdade é que Rosinha morreu e deixou seu filho de apenas seis anos perdido naquele local desconhecido, naquela cidade grande, naquele mundo sem ninguém que o conhecesse e olhasse por ele. Ainda existia o problema de ele estar sumido.
Mas onde estaria Zezinho?
Assim que a mãe soltou sua mão, Zezinho foi sendo empurrado pela imensidão de pessoas que estavam no terminal e acabou bem na porta de outro ônibus que ia ser recolhido para a garagem após todos os passageiros descerem. O motorista e o cobrador, que conversavam do lado de fora, nem viram quando o menino foi subindo e caminhando pelo corredor totalmente vazio.
Inocente, assustado, pensou apenas em sentar um pouco num daqueles bancos até tudo ficar mais calmo, para em seguida ir para junto de sua mãe. Escolheu uma poltrona bem confortável ao fundo e sentou, olhando para o movimento lá fora.
Dormiu como dorme uma criança, repentinamente. Motorista e cobrador entraram no ônibus, nem perceberam o que havia ocorrido, nem imaginavam que ali dormia um pequeno passageiro, e o veículo começou a manobrar, seguindo diretamente para a garagem.
Zezinho dormia e sonhava com o seu carro-pipa feito com lata de óleo e as duas pontas de vaca que formavam o seu rebanho, todos deixados lá no sertão. Esquecidos lá no sertão...
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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