reflexões sobre as palavras de lispector

Costume

"A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender cedo a luz. E, a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.

A tomar o café correndo porque está atrasado.

A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.

A comer sanduíche porque não dá para almoçar.

A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado.

A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone:

hoje não posso ir.

A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.

A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita.

E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.

E a saber que cada vez pagará mais.

E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com

que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma à poluição.

Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.

À luz artificial e ligeiro tremor.

Ao choque que os olhos levam na luz natural.

Às bactérias de água potável.

A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses

pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um

ressentimento ali, uma revolta acolá.

Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.

E, se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir

cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.

Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida, que, aos poucos, se gasta, e que gasta de tanto se acostumar, e se perde de si mesma“. Lispector.

"O convite é claro para que não nos acostumemos com a apatia e percamos a graça na caminhada. Se recuse a acostumar com o que não é bom, não aceite tudo que te impõe a ideologia da classe dominante. Esperar o momento certo é sinal de sabedoria, mas conformar-se com o errado é sinal de covardia.

Mude, desligue a TV, se for aos campos de futebol não abrace, não fume, não beba, não cheire, e nem babe nos amigos, deixe para abraçar a tua mulher que torcia para o mesmo time, mas só pra voce ir pro estádio que ela ja não te aguenta mais, dentro de casa, ouvindo as mesmas musiquetas que toca no rádio, não se acostume com a rotina. Seja inteligente ao menos uma vez na vida". irineu