OSSO RISO ILHADO
(06.02.2010)
Ele se sentia um peixe fora d’ água quando estava no grupo. Não era a sua praia. Mas sua esposa insistia “Alcindo, vc tem que tentar”. E ele ia, participava, fazia aulas, experiências, mas não se sentia à vontade. Não era exatamente a sua praia.
Até que veio a notícia da viagem. Suzana nem quis saber. “Eu vou.” Ele, assim-assim, sem ter o que dizer. Ficaria com a última palavra? Sim, senhora? Teve que refletir entre os medos e os dedos. Acabou por decidir em cima da hora. Ligou, atolado, para a operadora e confirmou sua ida. Estava feito. Agora só restava fazer. E agora?
Lá é lindo, repetia Suzana. "Eu sei, meu amor. Eu já sei." Enquanto dobrava as camisas sem saber como escolhê-las, se perguntava por que não desistir enquanto dava tempo. Lembrou-se da montanha russa. Aquele infinito segundo quando o carro se aproxima da primeira descida. Quero sair daqui! Foi a vontade que teve de gritar.
“Sai. Deixa que eu faço a sua mala.”
“Mas, meu amor...”
Do avião, ao fazer a volta para pousar, já se divisava o monte. Aos montes, a beleza. Realmente, maravilhoso. Mas, e na hora do vamos ver? Não se sentia parte da galera, do vocabulário, da animação. Pouco conversava e se encabulava facilmente quando lhe dirigiam a palavra. Seria melhor que não lhe vissem. Seria melhor que lhe vissem. Seria melhor que não tivesse que estar ali. Por que a vida é tão difícil?
Suzana já era o oposto. Conversava com todos. Entendia de tudo e se envolvia em todas as etapas das aventuras. Não tinha medo. Ou, se tinha, parecia que o mesmo lhe impulsionava. Suzana, bem diferente de Alcindo, era impulsiva. Para ele, relaxar era impossível.
Muita burocracia no desembarque. O traslado os leva à pousada. No primeiro dia era se instalar e, depois de tudo arrumadinho, sair para jantar. A turma já estava na porta enquanto Alcindo se desenrolava. Finalmente, foram todos procurar um restaurante.
Amanheceu. Seis horas. Logo teriam que estar na van. Café da manhã. Correram para pegar o equipamento. Entraram. Na van todos riam largamente. Tudo era piada. Poderia ser a coisa mais sem graças que todos rachavam o bico. Tudo era piada. Menos para Alcindo. Tenso, ria de nervoso. Será que riam dele? Queria ser invisível.
O líder do grupo faz o briefing: um resumo dos procedimentos para a aventura. “Quando descerem, teremos que passar por algumas cavernas...”. Cavernas? Essa palavra acelerou de imediato o seu coração, suas ânsias e seus temores.
Equipavam-se. Suzana, ágil, já estava pronta e foi ao auxílio de Alcindo. “Calma, aí. Deixa eu te ajudar.” Sem graça e sem alternativa, olhava em volta e via que todos se viravam sozinhos. Vestiam-se rindo e estavam muito à vontade. Que irritante. Não paravam de rir. Vontade de sumir dali.
Desceram. O grupo havia sido dividido em três subgrupos. Os experientes, os iniciados e os iniciantes. Suzana era experiente. Mas, sensibilizada pelos temores de Alcindo, resolveu seguir ao seu lado.
Desceram até as cavernas num único fôlego. Alcindo, mais lento, assessorado por ela. Solta o ar, Suzana lhe dizia gesticulando ambas as mãos pra fora, na altura da boca.
Lá embaixo, finalmente Alcindo relaxou. O silêncio ajudou. Relaxado, pode observar os ambientes à sua volta. Por entre as reentrâncias, a luz. A luz era branca, a luz era verde, a luz era calma. Trazia o calor do repouso e do enigma de filmes bíblicos. Barulho? Só das bolhas.
Ela permaneceu com suas mãos em união às dele. Ele pasmo. Nunca imaginara que fossem assim. Rochas que subiam verticalmente como colunas da antiguidade, abóbadas feitas de pedra, arcos incrustados de corais, escadas de areia. Tudo obra natural, da erosão, das correntes marítimas e de outras maravilhas impensáveis que a natureza tanto nos faz desentender. Suzana lhe cutucou o braço e, quando ele se virou, pode identificar o brilho de um sorriso em seus olhos. Respondeu para ela com um sinal de “ok”, mexendo três vezes a mão em sua direção, como que para, com a intensidade do gesto, expressar o quanto estava deslumbrado. Seus olhos brilhavam na mesma intensidade da luz que atravessava intimamente os quinze metros entre eles e a superfície. Os peixes passavam curiosos, calmamente ao seu lado. Sentiu-se bem recebido. Confortavelmente em casa. Neste momento, sua respiração já era tranqüila. O que lhe permitiu maior aproveitamento do mergulho. Sentiu-se um peixe.
Acabou-se o que era doce. Todos se reúnem e vão em direção à superfície. Antes, esperam por três minutos, a três metros, para a parada de segurança. Após isto, deixam-se levar vagarosamente e, à chegada, a mudança de ambiente é percebida com o estrondo das ondas. Ainda no limiar da superfície, era possível perceber a passagem da paz interna à dramaticidade externa. Lentamente, trocavam de dimensão. Do passeio ao retorno. Do idílico ao real. Do utópico ao tópico.
As ondas batiam se chocando ao grupo de pequenas cabeças flutuantes. O mar ali estava agitado. Não perigoso. Mas, agitado. Mexido.
Suzana ajuda-o inflando-lhe o colete. Depois, empolgada, volta-se para o grupo que boiava a contar-lhes sua experiência. Alcindo, vendo todos à sua volta, esqueceu-se de sua timidez. Eufórico, tirou o regulador da boca para falar-lhes, sem perceber que uma onda lhe vinha na cara. Assustou-se e se esforçou para respirar de novo. Veio outra, direto na goela. Começou a tossir. Alguém que estava ao seu lado bate em suas costas para que desengasgasse:
“Bem vindo a Fernando de Noronha.”