Uma Simples Mulher II Capitulo 11
Viver Cada Momento.
Estamos em setembro de 1983 e eu continuo atravessando esse período de incertezas e indefinições no que diz respeito à minha busca espiritual.
É claro que essas dúvidas me enfraqueciam e abalavam toda a minha vida, tanto no casamento, como no trabalho.
As minhas duas melhores amigas tinham enveredado por um novo caminho, conduzidas pela professora de yoga e eu me sentia excluída.
Elas não me convidavam porque sabiam que eu estava profundamente envolvida pelas meditações do Rajneesh, mas eu não me conformava de seguir sozinha e ficava insegura de estar tomando ou não a direção correta.
Dia 01 de setembro, quinta-feira
Parece que tudo está voltando a ser como era antes: desarmonia, problemas com o Mauro, problemas com minha saúde. Será possível? Nada é certo neste mundo, apenas a incerteza. Foi uma noite de pesadelo, com desentendimento, mágoas, falsidades. É melhor ser verdadeira, deixar que tudo se acabe completamente. Como é possível construir algo verdadeiro sobre uma base falsa? É melhor deixar que o casamento se acabe; sinto-me morrendo por dentro, completamente!
Dia 02 de setembro, sexta-feira
Ontem a Liliana foi à minha casa; conversamos bastante; foi muito bom. Parece que aquele meu negativismo com relação a elas diminuiu. O sofrimento nos aproximou. Ela expressou-se assim: “’É como se houvesse uma chama ardendo, queimando, queimando. Há momentos em que o sofrimento é tão grande que parece tudo envolver num turbilhão. Eu estou sumindo, estou desaparecendo. E não acaba, não acabará. Não queira ganhar nada. Só queira perder.”
Segundo Bhagwan, o fogo que queima é a consciência e a sensação de estar sumindo e o sofrimento decorrem da perda do ego. Falando assim parece tão fácil... Perda do ego... O ego é difícil de cair.
Hoje fiz meditação e acontece que senti a presença do Bhagwan mais forte. A percepção que veio foi:
“Acalme-se. Seu caminho se delineará. Não se apresse. Deixe as coisas se assentarem. Deixe o fogo da consciência ir queimando. Quando doer, deixe que doa. Não lute. Entregue-se ao sofrimento sem lutar.”
Sinto que é preciso registrar tudo isso! Ë muito importante, mas não sei por quê. Hoje estou vibrante de alegria! Uma clareza me penetra e me faz vibrar! Mas lembre-se: “Isso também passará.”
Dia 03 de setembro, sábado
Algo me acordou repentinamente às 8 da manhã e uma sensação inexprimível se instalou em mim e perdura até agora. Fiz a meditação Nataraj. Houve a certeza de que agora, neste momento, só existe um caminho para mim: Bhagwan. Mas são tantas as minhas limitações, e é tão grande o medo, que nem sannyas posso pedir: nem isso. ( pedir para ser aceita oficialmente por Bhagwan, usar o “mala”, o colar com a foto dele e receber um novo nome). Só posso entregar o meu coração e deixar que as coisas amadureçam muito devagar.
Veio também uma imagem pictórica em minha mente, que vou tentar descrever.
É como uma flor, meu ser verdadeiro está lá no meio da flor, uma sementinha trêmula, cheia de medo, indefesa. As pétalas são as camadas do ego, crostas e crostas que foram se depositando pelas experiências da vida. Entre as rachaduras e espaços entre as pétalas, penetram pequenos raios de luz que vem de fora, do grande Universo de Luz que rodeia a flor. A sementinha, que também é feita dessa mesma Luz, recebe esses pequenos raios e pouco a pouco vai crescendo, vai se fortalecendo e um dia ela brota como uma nova flor, dessa vez feita inteiramente de Luz e se funde e confunde com o Universo, do qual é parte e do qual nunca se separou. Mas para isso a antiga flor tem que morrer e as velhas pétalas tem que se dissolver em meio ao que parece ser o sofrimento.
Uma imagem linda e verdadeira!
Dia 05 de setembro, segunda-feira
O domingo passou, ou melhor, se arrastou. Comi demais. Sonolência e preguiça. À tarde a Licliana apareceu em casa. Ela me confunde demais; fica tentando me explicar sobre esse novo caminho que elas estão seguindo. Às vezes tenho vontade de lhe pedir que não fale mais nada; outras vezes penso que tem que ser assim: sacudir-me. Hoje acordei pensando na morte, depois de uma noite mal dormida. Como é possível conviver com o fato da morte? Não há outro remédio senão encará-la, ver que está aí, que estamos caminhando para ela.
Ontem comi frango com farofa de modo inconsciente; hoje estou enjoada, com náuseas; o cheiro do frango sobe do estômago para a boca. Como está difícil enfrentar a vida! Se o caminho é muito difícil, muito penoso, sinto que não é só o meu: só angústia, é o que a Liliana me passa! Não posso, não tenho forças, nem é a hora de eu lidar com todos esses problemas! Só se me acontecer, se vier, se cair realmente no meu ser. Caso contrário, fico como estou.
Dia 06 de setembro, terça feira
À noite caiu uma tempestade! Houve trovoada, tive muito medo; toda a valentia se foi! Como é grande o medo! Meu Deus, quando terei um pouco mais de coragem? Não fiz meditação; acordei sonolenta, sonhando. Todas essas manhãs tenho acordado com o despertador, no meio de um sonho.
Sinto que estou no limiar de uma decisão: ou ser corajosa e lançar-me à aventura de me conhecer ou continuar dormindo. Será possível que uma pessoa tão medrosa, tão covarde como eu, que tremo de medo, tenha coragem de encarar a aventura de saber quem sou eu?
Fiz kundalini à tarde e cheguei à conclusão de que se a embriaguês que eu sinto pelo Bhagwan é ilusão (como as minhas amigas dizem), então eu quero ficar iludida para sempre! Hoje na kundalini pude sentir pela primeira vez a energia interior se movendo. Houve uma “inundação” no meu corpo. Quando tentei focalizar o umbigo, notei que a energia ia para cima, para a cabeça, para os olhos. Quando cessou a dança, o corpo queria continuar a se mover, a se agitar, mas não consenti, não fiz nenhum movimento, fiquei como uma estátua. Aí senti a “inundação”. A energia que fazia o corpo vibrar, retornou para o interior: foi aí que senti a “embriaguês”...
Dia 08 de setembro, quinta-feira
Ontem foi feriado. Choveu o dia todo. Não fiz meditação, comi muito, dormi muito. Como é bom trabalhar! Hoje levantei-me cedo, fiz dinâmica, vim a pé para a escola.
Não há muito sobre o que falar, apenas sobre a comida: parece que alguma coisa está mudando nesse aspecto. Não há nada que eu queira comer, parece não haver nada gostoso. Ao mesmo tempo, está sempre presente uma vontade (veja bem, não é fome) de comer algo que não sei o que é.
A percepção que veio na meditação foi:
“Procure sentir mais quando é vontade da mente ou fome do corpo. Siga um regime ditado pelo interior. Coloque tudo o que você aprendeu ou leu sob o foco interior e sinta: é fome? É vontade? Esse alimento satisfaz a gula ou satisfaz o corpo? Coma devagar, mastigue bem”.
Coma com consciência. Será que é isso? Hoje cedo tomei choio-ban, estava uma delícia. Aqui na escola não resisti e tomei meia xícara de café. Também estava uma delícia! Como saber?
Dia 09 de setembro, sexta-feira
Esquisito... Tudo parado... Nada acontece... De vez em quando parece que a Vida faz uma pausa: nem alegria, nem tristeza, tudo neutro. Esse estado é realmente calmante. Faz frio. Depois de uma semana de tempo nublado e chuva, hoje saiu o sol. Como é bom levantar cedo! Gostaria de no sábado e domingo levantar cedo e sair para andar. É tão idiota ficar acordada até tarde, depois levantar tarde, corpo pesado, comer demais. Hoje está tudo brilhante, a mente está limpa e com toda a lucidez. Será que é da alimentação? Sinto o corpo mais ativo, mais vibrante e energético: a mente parece que se fortaleceu, mas a sensibilidade e a intuição diminuíram. Comecei mais ou menos o regime macrobiótico: arroz, pão, banchá, shoyo. Só não consegui parar totalmente o cafezinho na escola, mas em casa parei.
Dia 12 de setembro, segunda-feira
Fim de semana com chuva e frio. Tudo parado. Completamente. Nunca vi calmaria tão grande. Se eu fosse sábia, desfrutaria disso, mas sinto subcorrentes profundas de raiva, desamor, impaciência. Meu Deus como é possível caber tanta raiva dentro de uma pessoa? Parece que a raiva faz parte da minha natureza real. É o que existe: raiva.
O regime tem horas que vai às mil maravilhas, dali a pouco vem uma vontade invencível de açúcar e lá vou eu. Ontem tomei sorvete, cafezinho, comi lasanha! Hoje já bebi café aqui na escola. De manhã, shio-ban e pão integral. Aqui, café com açúcar. Assim não dá. Ontem inventei: cebola, cenoura, missô, arroz e farinha de milho. Uma delicia. Se eu pudesse resistir ao açúcar! Mas não é fácil.
Bhagwan parece estar a quilômetros de distância. Faço a meditação dinâmica como exercício, como hábito, como necessidade, sei lá. Respiro, danço, vomito, berro, vem raiva... E daí? Não sei. Caminhar tornou-se importante também. E a ginástica. O resto? Fica no fundo de mim aquela angústia, espiando de longe. Às vezes ela chega mais perto. E quando ela chega, eu sinto a vida como um fracasso, um grande fracasso caminhando para a morte, só isso. Foi o que eu vi nas quatro irmãs (minha mãe e suas irmãs) reunidas para tirar fotografia: caminhando para a morte. As quatro, já mortas. Foi o que eu vi. E é tão triste...
Dia 13 de setembro, terça-feira
Hoje amanheceu nublado e frio. Fiz dinâmica, mas nada acontece. Está tudo tão esquisito, tão parado. Tenho acordado mais bem disposta, mas acho que estou exagerando no sal. Não tenho tido paciência, explodo à toa, estou irritada. Também não quero saber de nada com o Mauro, estou dando coices até na sombra...
Ontem tive um pouco de cólica e hoje um corrimento. Hoje é o 28 dia da menstruação.
Estou já fanática pela macrobiótica.: porque será que sou assim? Desse modo não dura seis meses, até já sei: fogo de palha. Foi assim com o violão, com a Seicho-No-Ie, com a flauta, com o inglês... Interesses passageiros... Isto também passará. Tudo passa, tudo sempre passará. Deixe cair, deixe escorregar, tudo é falso, tudo é ilusão. ONDE ESTÁ O REAL?
Sinto-me como se estivesse esperando algo. Alguma coisa vai acontecer e estou olhando e esperando...
Onde quer que eu vá, ainda estarei presa dentro de mim. Se eu for viajar para a Europa, vão entrar pelos meus olhos lindas visões, meus sentidos ficarão distraídos: lindas roupas, compras, passeios, hotéis, luxo. São desejos. Estão aí. Jóias, perfumes, poder, dinheiro, conforto, mordomia, respeito. São desejos; mas continuarei presa dentro de mim mesma. Tenho muitos desejos: ganhar na loteria, ser rica, famosa, escrever, publicar livros. E daí? Estarei ainda mais presa dentro de mim mesma. No fundo, sei que tudo é fútil, tudo. Ainda assim não quero despertar; quero dormir mais um pouco; virar para o lado e continuar dormindo. Até quando?
Dia 14 de setembro, quarta-feira
O nada aos poucos se transforma em angústia. Ontem à tarde senti um grande cansaço; depois identifiquei: falta do café. À noite precisei fazer um café: deu dor de cabeça. Isso é que é dependência!
A Celinaa perguntou como é que eu estou espiritualmente. Só pude dizer que para mim está muito difícil de suportar um dia depois do outro. Amanhece, anoitece, e tudo igual; por mais que mude, nada muda. Continuo presa dentro de mim mesma. Ontem ouvi a primeira cigarra do verão, à tarde o céu se tingiu de vermelho; hoje o dia amanheceu lindo. E acordei angustiada...
Dia 16 de setembro, sexta-feira
Ontem nem tive coragem para escrever. Continua tudo muito confuso, contraditório, esquisito. Vou marcar hora para amanha no cabeleireiro, vou à manicure. O que será tudo isso? Animação sei que não é. Também pretendo adiantar o almoço de domingo: frango, churrasco? É melhor parar de ler e preocupar-me com as coisas materiais.
Dia 19 de setembro, segunda-feira
O fim de semana passou como era de se esperar: durante a semana, cansaço; aí todas as esperanças se concentram no fim de semana. Quando chega, a falta do que fazer e a monotonia fazem dar saudade do trabalho. É o eterno pêndulo da mente. No sábado foi tudo bem: mexer pra lá e pra cá. No domingo, choveu o dia todo. A manhã passou bem, mas a tarde... Se esta calmaria que estou sentindo é a morte, então já morri. Parece que nada se move. Está tudo completamente parado: nem sofrimento, nem questionamento, nem intuição, nada. Parece sim que estou indo para trás: ilusão, fuga, sonolência. Estou vendo: a fuga da TV, novela; a ilusão de sair, comer fora; a ilusão do sexo, pensar estar amando o outro quando tudo se passa dentro de cada um, consigo mesmo. A vida é isso? O pior de tudo é que o Bhagwan também está indo ou já se foi... É uma tristeza...
Dia 21 de setembro, quarta-feira
É difícil entender como se pode continuar vivendo com um vazio interno tão grande. Sinto-me oca. Ao mesmo tempo, sinto-me repleta: de raiva, desânimo, descrença, dúvida, ceticismo, inutilidade. Tudo isso ofereci hoje de manha aos pés do meu mestre: fiz dinâmica por desespero, caso contrário me sentiria incapaz de continuar remando o meu barco. Sinto-me totalmente só e só negatividade é o que há, nada mais.
Dia 22 de setembro, quinta-feira
As coisas continuam acontecendo, misteriosamente. Ontem foi um dia bom, tive momentos alegres, me movimentei, não parei. À tarde fui fazer kundalini e não aconteceu absolutamente nada. Parei. Então vi que a Liliana estava em minha casa, esperando por mim. Não sei se foi por causa disso, mas não houve a menor vibração, nem movimento.
À noite, aqui na escola, uma mãe de aluno veio brigar comigo, foi agressiva e eu também acabei me descontrolando totalmente. Tudo isso por causa de duas palavras que escrevi na prova do menino: “não enxergo”; pois o menino escreveu com letras muito claras e ilegíveis. Muito significativo isso; será alguma lição para mim? Depois fui embora mais cedo e no carro chorei um choro fundo, que veio bem de dentro. O que será que não estou enxergando? Na verdade, sinto que não estou enxergando nada, há uma escuridão total à minha volta. Gostaria de não encarar essas lições com negatividade, mas sinto que estou negativa. Percebi meu orgulho, meu ego endurecido, uma falta de humildade, uma dureza. Aquela mulher era a inimiga! E disseram que ela é muito boa pessoa. E os alunos? Será que os vejo como filhos? Ou um pouco como inimigos? Quanto maiores, mais inimigos.
Não é fácil ver cada um como um ser humano especial, com toda sua complexidade. Mas vou tentar como uma espécie de sadhana: olhar para todas as pessoas como seres humanos especiais. E procurar olhar a essência de cada um, olhar cada vez mais e mais fundo. E olhar também para mim.
Dia 26 de setembro, segunda-feira
Rotina novamente. O trabalho é uma bênção. O fim de semana não foi ruim. Ontem fez um lindo dia de sol e fui ao clube levar a Marília. Toda a natureza lá me sorri, mas ainda assim não me sinto bem com as pessoas de lá. A Liliana estava muito brava com o marido; ela é dramática e trágica. E humana. Estou preocupada com o Armando: amanheceu com dor de garganta. Não há de ser nada. Estou emagrecendo: hoje pesei 57,5kg.
Às vezes sinto tão claramente que só o Bhagwan é meu caminho. Não há nada mais que me atraia. Tenho ânsias de liberdade, de conhecer pessoas diferentes, de tentar viver numa comunidade. Só experimentando poderei saber como é. É melhor eu ir para os EEUU e ver com meus próprios olhos. A prosperidade do auto- eletro e a reforma da casa já estão se concretizando; só falta a viagem.
Dia 30 de setembro, sexta-feira
Tenho tido muita energia e disposição durante o dia, mas à tardezinha começa um grande cansaço. A vida parece estar mais brilhante, mais viva. Tenho sentido mais todas as coisas: perfumes, cheiros, texturas, cores, luz do dia (manhã e tarde, com nuances), vento, sol, calor, chuva. Tudo está caindo mais para dentro de mim. Tenho descoberto alguns prazeres na cozinha e na comida. Emagreci. Hoje cedo pesei 57kg.
Há uma frase do Bhagwan sobre a qual fiquei parada: “Você deveria ter uma atitude amiga, simpática, com relação ao sexo. É o diálogo mais profundo entre você e a natureza.”
Nesse ponto parece que ainda não consegui sair da casca. Já estou desanimando.
Outra sensação: sentir-me desmanchar. Sinto como se meu corpo estivesse se desmanchando, se decompondo, tornando-se leve e poroso, permeável a tudo o que o circunda.
E assim vou na minha caminhada; sinto é sei que há muito para aprender e vivenciar, mas a pressa e a impaciência me empurram.
E a voz interior diz:
-Calma...Viva este momento...Sinta, curta isso assim mesmo como está, sem tentar mudar nada...
Essa é a verdadeira voz da sabedoria!
continua...
Viver Cada Momento.
Estamos em setembro de 1983 e eu continuo atravessando esse período de incertezas e indefinições no que diz respeito à minha busca espiritual.
É claro que essas dúvidas me enfraqueciam e abalavam toda a minha vida, tanto no casamento, como no trabalho.
As minhas duas melhores amigas tinham enveredado por um novo caminho, conduzidas pela professora de yoga e eu me sentia excluída.
Elas não me convidavam porque sabiam que eu estava profundamente envolvida pelas meditações do Rajneesh, mas eu não me conformava de seguir sozinha e ficava insegura de estar tomando ou não a direção correta.
Dia 01 de setembro, quinta-feira
Parece que tudo está voltando a ser como era antes: desarmonia, problemas com o Mauro, problemas com minha saúde. Será possível? Nada é certo neste mundo, apenas a incerteza. Foi uma noite de pesadelo, com desentendimento, mágoas, falsidades. É melhor ser verdadeira, deixar que tudo se acabe completamente. Como é possível construir algo verdadeiro sobre uma base falsa? É melhor deixar que o casamento se acabe; sinto-me morrendo por dentro, completamente!
Dia 02 de setembro, sexta-feira
Ontem a Liliana foi à minha casa; conversamos bastante; foi muito bom. Parece que aquele meu negativismo com relação a elas diminuiu. O sofrimento nos aproximou. Ela expressou-se assim: “’É como se houvesse uma chama ardendo, queimando, queimando. Há momentos em que o sofrimento é tão grande que parece tudo envolver num turbilhão. Eu estou sumindo, estou desaparecendo. E não acaba, não acabará. Não queira ganhar nada. Só queira perder.”
Segundo Bhagwan, o fogo que queima é a consciência e a sensação de estar sumindo e o sofrimento decorrem da perda do ego. Falando assim parece tão fácil... Perda do ego... O ego é difícil de cair.
Hoje fiz meditação e acontece que senti a presença do Bhagwan mais forte. A percepção que veio foi:
“Acalme-se. Seu caminho se delineará. Não se apresse. Deixe as coisas se assentarem. Deixe o fogo da consciência ir queimando. Quando doer, deixe que doa. Não lute. Entregue-se ao sofrimento sem lutar.”
Sinto que é preciso registrar tudo isso! Ë muito importante, mas não sei por quê. Hoje estou vibrante de alegria! Uma clareza me penetra e me faz vibrar! Mas lembre-se: “Isso também passará.”
Dia 03 de setembro, sábado
Algo me acordou repentinamente às 8 da manhã e uma sensação inexprimível se instalou em mim e perdura até agora. Fiz a meditação Nataraj. Houve a certeza de que agora, neste momento, só existe um caminho para mim: Bhagwan. Mas são tantas as minhas limitações, e é tão grande o medo, que nem sannyas posso pedir: nem isso. ( pedir para ser aceita oficialmente por Bhagwan, usar o “mala”, o colar com a foto dele e receber um novo nome). Só posso entregar o meu coração e deixar que as coisas amadureçam muito devagar.
Veio também uma imagem pictórica em minha mente, que vou tentar descrever.
É como uma flor, meu ser verdadeiro está lá no meio da flor, uma sementinha trêmula, cheia de medo, indefesa. As pétalas são as camadas do ego, crostas e crostas que foram se depositando pelas experiências da vida. Entre as rachaduras e espaços entre as pétalas, penetram pequenos raios de luz que vem de fora, do grande Universo de Luz que rodeia a flor. A sementinha, que também é feita dessa mesma Luz, recebe esses pequenos raios e pouco a pouco vai crescendo, vai se fortalecendo e um dia ela brota como uma nova flor, dessa vez feita inteiramente de Luz e se funde e confunde com o Universo, do qual é parte e do qual nunca se separou. Mas para isso a antiga flor tem que morrer e as velhas pétalas tem que se dissolver em meio ao que parece ser o sofrimento.
Uma imagem linda e verdadeira!
Dia 05 de setembro, segunda-feira
O domingo passou, ou melhor, se arrastou. Comi demais. Sonolência e preguiça. À tarde a Licliana apareceu em casa. Ela me confunde demais; fica tentando me explicar sobre esse novo caminho que elas estão seguindo. Às vezes tenho vontade de lhe pedir que não fale mais nada; outras vezes penso que tem que ser assim: sacudir-me. Hoje acordei pensando na morte, depois de uma noite mal dormida. Como é possível conviver com o fato da morte? Não há outro remédio senão encará-la, ver que está aí, que estamos caminhando para ela.
Ontem comi frango com farofa de modo inconsciente; hoje estou enjoada, com náuseas; o cheiro do frango sobe do estômago para a boca. Como está difícil enfrentar a vida! Se o caminho é muito difícil, muito penoso, sinto que não é só o meu: só angústia, é o que a Liliana me passa! Não posso, não tenho forças, nem é a hora de eu lidar com todos esses problemas! Só se me acontecer, se vier, se cair realmente no meu ser. Caso contrário, fico como estou.
Dia 06 de setembro, terça feira
À noite caiu uma tempestade! Houve trovoada, tive muito medo; toda a valentia se foi! Como é grande o medo! Meu Deus, quando terei um pouco mais de coragem? Não fiz meditação; acordei sonolenta, sonhando. Todas essas manhãs tenho acordado com o despertador, no meio de um sonho.
Sinto que estou no limiar de uma decisão: ou ser corajosa e lançar-me à aventura de me conhecer ou continuar dormindo. Será possível que uma pessoa tão medrosa, tão covarde como eu, que tremo de medo, tenha coragem de encarar a aventura de saber quem sou eu?
Fiz kundalini à tarde e cheguei à conclusão de que se a embriaguês que eu sinto pelo Bhagwan é ilusão (como as minhas amigas dizem), então eu quero ficar iludida para sempre! Hoje na kundalini pude sentir pela primeira vez a energia interior se movendo. Houve uma “inundação” no meu corpo. Quando tentei focalizar o umbigo, notei que a energia ia para cima, para a cabeça, para os olhos. Quando cessou a dança, o corpo queria continuar a se mover, a se agitar, mas não consenti, não fiz nenhum movimento, fiquei como uma estátua. Aí senti a “inundação”. A energia que fazia o corpo vibrar, retornou para o interior: foi aí que senti a “embriaguês”...
Dia 08 de setembro, quinta-feira
Ontem foi feriado. Choveu o dia todo. Não fiz meditação, comi muito, dormi muito. Como é bom trabalhar! Hoje levantei-me cedo, fiz dinâmica, vim a pé para a escola.
Não há muito sobre o que falar, apenas sobre a comida: parece que alguma coisa está mudando nesse aspecto. Não há nada que eu queira comer, parece não haver nada gostoso. Ao mesmo tempo, está sempre presente uma vontade (veja bem, não é fome) de comer algo que não sei o que é.
A percepção que veio na meditação foi:
“Procure sentir mais quando é vontade da mente ou fome do corpo. Siga um regime ditado pelo interior. Coloque tudo o que você aprendeu ou leu sob o foco interior e sinta: é fome? É vontade? Esse alimento satisfaz a gula ou satisfaz o corpo? Coma devagar, mastigue bem”.
Coma com consciência. Será que é isso? Hoje cedo tomei choio-ban, estava uma delícia. Aqui na escola não resisti e tomei meia xícara de café. Também estava uma delícia! Como saber?
Dia 09 de setembro, sexta-feira
Esquisito... Tudo parado... Nada acontece... De vez em quando parece que a Vida faz uma pausa: nem alegria, nem tristeza, tudo neutro. Esse estado é realmente calmante. Faz frio. Depois de uma semana de tempo nublado e chuva, hoje saiu o sol. Como é bom levantar cedo! Gostaria de no sábado e domingo levantar cedo e sair para andar. É tão idiota ficar acordada até tarde, depois levantar tarde, corpo pesado, comer demais. Hoje está tudo brilhante, a mente está limpa e com toda a lucidez. Será que é da alimentação? Sinto o corpo mais ativo, mais vibrante e energético: a mente parece que se fortaleceu, mas a sensibilidade e a intuição diminuíram. Comecei mais ou menos o regime macrobiótico: arroz, pão, banchá, shoyo. Só não consegui parar totalmente o cafezinho na escola, mas em casa parei.
Dia 12 de setembro, segunda-feira
Fim de semana com chuva e frio. Tudo parado. Completamente. Nunca vi calmaria tão grande. Se eu fosse sábia, desfrutaria disso, mas sinto subcorrentes profundas de raiva, desamor, impaciência. Meu Deus como é possível caber tanta raiva dentro de uma pessoa? Parece que a raiva faz parte da minha natureza real. É o que existe: raiva.
O regime tem horas que vai às mil maravilhas, dali a pouco vem uma vontade invencível de açúcar e lá vou eu. Ontem tomei sorvete, cafezinho, comi lasanha! Hoje já bebi café aqui na escola. De manhã, shio-ban e pão integral. Aqui, café com açúcar. Assim não dá. Ontem inventei: cebola, cenoura, missô, arroz e farinha de milho. Uma delicia. Se eu pudesse resistir ao açúcar! Mas não é fácil.
Bhagwan parece estar a quilômetros de distância. Faço a meditação dinâmica como exercício, como hábito, como necessidade, sei lá. Respiro, danço, vomito, berro, vem raiva... E daí? Não sei. Caminhar tornou-se importante também. E a ginástica. O resto? Fica no fundo de mim aquela angústia, espiando de longe. Às vezes ela chega mais perto. E quando ela chega, eu sinto a vida como um fracasso, um grande fracasso caminhando para a morte, só isso. Foi o que eu vi nas quatro irmãs (minha mãe e suas irmãs) reunidas para tirar fotografia: caminhando para a morte. As quatro, já mortas. Foi o que eu vi. E é tão triste...
Dia 13 de setembro, terça-feira
Hoje amanheceu nublado e frio. Fiz dinâmica, mas nada acontece. Está tudo tão esquisito, tão parado. Tenho acordado mais bem disposta, mas acho que estou exagerando no sal. Não tenho tido paciência, explodo à toa, estou irritada. Também não quero saber de nada com o Mauro, estou dando coices até na sombra...
Ontem tive um pouco de cólica e hoje um corrimento. Hoje é o 28 dia da menstruação.
Estou já fanática pela macrobiótica.: porque será que sou assim? Desse modo não dura seis meses, até já sei: fogo de palha. Foi assim com o violão, com a Seicho-No-Ie, com a flauta, com o inglês... Interesses passageiros... Isto também passará. Tudo passa, tudo sempre passará. Deixe cair, deixe escorregar, tudo é falso, tudo é ilusão. ONDE ESTÁ O REAL?
Sinto-me como se estivesse esperando algo. Alguma coisa vai acontecer e estou olhando e esperando...
Onde quer que eu vá, ainda estarei presa dentro de mim. Se eu for viajar para a Europa, vão entrar pelos meus olhos lindas visões, meus sentidos ficarão distraídos: lindas roupas, compras, passeios, hotéis, luxo. São desejos. Estão aí. Jóias, perfumes, poder, dinheiro, conforto, mordomia, respeito. São desejos; mas continuarei presa dentro de mim mesma. Tenho muitos desejos: ganhar na loteria, ser rica, famosa, escrever, publicar livros. E daí? Estarei ainda mais presa dentro de mim mesma. No fundo, sei que tudo é fútil, tudo. Ainda assim não quero despertar; quero dormir mais um pouco; virar para o lado e continuar dormindo. Até quando?
Dia 14 de setembro, quarta-feira
O nada aos poucos se transforma em angústia. Ontem à tarde senti um grande cansaço; depois identifiquei: falta do café. À noite precisei fazer um café: deu dor de cabeça. Isso é que é dependência!
A Celinaa perguntou como é que eu estou espiritualmente. Só pude dizer que para mim está muito difícil de suportar um dia depois do outro. Amanhece, anoitece, e tudo igual; por mais que mude, nada muda. Continuo presa dentro de mim mesma. Ontem ouvi a primeira cigarra do verão, à tarde o céu se tingiu de vermelho; hoje o dia amanheceu lindo. E acordei angustiada...
Dia 16 de setembro, sexta-feira
Ontem nem tive coragem para escrever. Continua tudo muito confuso, contraditório, esquisito. Vou marcar hora para amanha no cabeleireiro, vou à manicure. O que será tudo isso? Animação sei que não é. Também pretendo adiantar o almoço de domingo: frango, churrasco? É melhor parar de ler e preocupar-me com as coisas materiais.
Dia 19 de setembro, segunda-feira
O fim de semana passou como era de se esperar: durante a semana, cansaço; aí todas as esperanças se concentram no fim de semana. Quando chega, a falta do que fazer e a monotonia fazem dar saudade do trabalho. É o eterno pêndulo da mente. No sábado foi tudo bem: mexer pra lá e pra cá. No domingo, choveu o dia todo. A manhã passou bem, mas a tarde... Se esta calmaria que estou sentindo é a morte, então já morri. Parece que nada se move. Está tudo completamente parado: nem sofrimento, nem questionamento, nem intuição, nada. Parece sim que estou indo para trás: ilusão, fuga, sonolência. Estou vendo: a fuga da TV, novela; a ilusão de sair, comer fora; a ilusão do sexo, pensar estar amando o outro quando tudo se passa dentro de cada um, consigo mesmo. A vida é isso? O pior de tudo é que o Bhagwan também está indo ou já se foi... É uma tristeza...
Dia 21 de setembro, quarta-feira
É difícil entender como se pode continuar vivendo com um vazio interno tão grande. Sinto-me oca. Ao mesmo tempo, sinto-me repleta: de raiva, desânimo, descrença, dúvida, ceticismo, inutilidade. Tudo isso ofereci hoje de manha aos pés do meu mestre: fiz dinâmica por desespero, caso contrário me sentiria incapaz de continuar remando o meu barco. Sinto-me totalmente só e só negatividade é o que há, nada mais.
Dia 22 de setembro, quinta-feira
As coisas continuam acontecendo, misteriosamente. Ontem foi um dia bom, tive momentos alegres, me movimentei, não parei. À tarde fui fazer kundalini e não aconteceu absolutamente nada. Parei. Então vi que a Liliana estava em minha casa, esperando por mim. Não sei se foi por causa disso, mas não houve a menor vibração, nem movimento.
À noite, aqui na escola, uma mãe de aluno veio brigar comigo, foi agressiva e eu também acabei me descontrolando totalmente. Tudo isso por causa de duas palavras que escrevi na prova do menino: “não enxergo”; pois o menino escreveu com letras muito claras e ilegíveis. Muito significativo isso; será alguma lição para mim? Depois fui embora mais cedo e no carro chorei um choro fundo, que veio bem de dentro. O que será que não estou enxergando? Na verdade, sinto que não estou enxergando nada, há uma escuridão total à minha volta. Gostaria de não encarar essas lições com negatividade, mas sinto que estou negativa. Percebi meu orgulho, meu ego endurecido, uma falta de humildade, uma dureza. Aquela mulher era a inimiga! E disseram que ela é muito boa pessoa. E os alunos? Será que os vejo como filhos? Ou um pouco como inimigos? Quanto maiores, mais inimigos.
Não é fácil ver cada um como um ser humano especial, com toda sua complexidade. Mas vou tentar como uma espécie de sadhana: olhar para todas as pessoas como seres humanos especiais. E procurar olhar a essência de cada um, olhar cada vez mais e mais fundo. E olhar também para mim.
Dia 26 de setembro, segunda-feira
Rotina novamente. O trabalho é uma bênção. O fim de semana não foi ruim. Ontem fez um lindo dia de sol e fui ao clube levar a Marília. Toda a natureza lá me sorri, mas ainda assim não me sinto bem com as pessoas de lá. A Liliana estava muito brava com o marido; ela é dramática e trágica. E humana. Estou preocupada com o Armando: amanheceu com dor de garganta. Não há de ser nada. Estou emagrecendo: hoje pesei 57,5kg.
Às vezes sinto tão claramente que só o Bhagwan é meu caminho. Não há nada mais que me atraia. Tenho ânsias de liberdade, de conhecer pessoas diferentes, de tentar viver numa comunidade. Só experimentando poderei saber como é. É melhor eu ir para os EEUU e ver com meus próprios olhos. A prosperidade do auto- eletro e a reforma da casa já estão se concretizando; só falta a viagem.
Dia 30 de setembro, sexta-feira
Tenho tido muita energia e disposição durante o dia, mas à tardezinha começa um grande cansaço. A vida parece estar mais brilhante, mais viva. Tenho sentido mais todas as coisas: perfumes, cheiros, texturas, cores, luz do dia (manhã e tarde, com nuances), vento, sol, calor, chuva. Tudo está caindo mais para dentro de mim. Tenho descoberto alguns prazeres na cozinha e na comida. Emagreci. Hoje cedo pesei 57kg.
Há uma frase do Bhagwan sobre a qual fiquei parada: “Você deveria ter uma atitude amiga, simpática, com relação ao sexo. É o diálogo mais profundo entre você e a natureza.”
Nesse ponto parece que ainda não consegui sair da casca. Já estou desanimando.
Outra sensação: sentir-me desmanchar. Sinto como se meu corpo estivesse se desmanchando, se decompondo, tornando-se leve e poroso, permeável a tudo o que o circunda.
E assim vou na minha caminhada; sinto é sei que há muito para aprender e vivenciar, mas a pressa e a impaciência me empurram.
E a voz interior diz:
-Calma...Viva este momento...Sinta, curta isso assim mesmo como está, sem tentar mudar nada...
Essa é a verdadeira voz da sabedoria!
continua...