Os famintos

O garotinho chorava a todo pulmão. Os gritos da criança foram interrompidos por alguns instantes, após beber uma solução de água e raspa de rapadura. Um alívio bem-vindo para aquela circustância.

Esse era o único alimento disponível em casa. A garapa enganou o pequeno Pedro, de três anos, consolando-o por algum tempo, fazendo-o calar-se, para contentamento da mãe, que tentava acalentá-lo nos braços magros, sustentados por um corpo raquítico e sofrido.

A fome perseguia o garotinho há dias.

A família habitava pequena tapera de um único vão. Uma meia-parede de taipa separava o fogão à lenha, coberto pela fuligem do carvão, das redes surradas, armadas pelos punhos a um gancho saliente, em forma de forquilha.

Deitado, o casal pensava na vida.

Não seria na morte?

João perguntava-se em momentos de grande aflição: “para que viver desse jeito, desempregado, sem conforto, faminto, as roupas sujas, rasgadas nos joelhos e nos fundilhos?”.

Os pés de João e Maria sofriam descalços; dispunham para calçar apenas de chinelos-de-dedo, usados quando iam à Igreja Mundial do Reino Divino, a três quilômetros de sua choupana. Nessas ocasiões, vestiam a única roupa sã, doada por um missionário, cuidadosamente guardada em uma caixa de papelão.

Na hora da oferta, sob reiterados apelos do pastor, lamentavam não contribuir financeiramente para a igreja. Como gostariam de ser dizimistas! Sentiam pequena inveja, que Deus os perdoasse, dos irmãos que participavam da “corrente da prosperidade”, cheios de vigor, aparentemente sem dificuldades a lamentar.

Nos cultos, o pastor insistia:

– Dêem à igreja aquilo que represente um sacrifício para vocês. Não esqueçam o exemplo da viúva pobre: ela doou tudo. As recompensas virão!

João perguntava-se:

Doar o que?

O sofrimento?

A dor?

A fome?

O hospital mais próximo para cuidar da saúde, distava oitenta quilômetros, percorridos em cima de um caminhão, caso generoso motorista concedesse carona. Quando isso acontecia, a mulher levava o filho no colo e se instalava na cabine; João viajava na carroceria, incomodado. Sabia que o caminhoneiro mudava as marchas com frequência, sem qualquer necessidade. O terreno não tinha elevações que exigissem força maior do veículo; portanto, para que acionar o câmbio, repetidas vezes, até descendo ladeiras? – pensava, angustiado e ciumento.

Sem a facilidade da água encanada, a família só dispunha do precioso líquido quando João e Maria o transportavam em latas enferrujadas, carregadas na cabeça calejada, cujo cocuruto, típico dos habitantes da região, facilitava o equilíbrio.

A distância entre a casa e o açude, quase seco, transformado em cacimba, era de um quilômetro. A água poluída e barrenta era compartilhada por humanos e animais. As pessoas tomavam banho raramente, lá mesmo, na cacimba; o líquido que lhes molhava o corpo voltava ao reservatório, filtrado pela areia.

João e Maria não ouviam rádio nem viam televisão.

Desconheciam os programas sociais do governo.

Certa vez, duas pessoas apareceram em sua casa, fizeram anotações, certificando-se de que eram eleitores, embora analfabetos. Os visitantes prometeram que após as eleições, receberiam uma Bolsa-Familia de setenta e cinco reais por mês, pois o atual prefeito, candidato à reeleição, era bastante generoso.

Passaram-se dias, meses e anos. João, Maria e o filho Pedro jamais receberam o benefício prometido pelos emissários do ex-prefeito, posteriormente eleito deputado estadual, após vitoriosa eleição.

Nas contas do governo, porém, a família aparecia como beneficiária dessa e de outras bolsas constantes de programas sociais, anunciados nas propagandas que faziam “a festa” de agentes da publicidade oficial.

Pedro, atualmente com seis anos de idade, franzino, raquítico, portador de alergia asmática, é experiente carvoeiro e exímio quebrador de pedras, utilizadas como concreto na construção civil das grandes cidades.

João e Maria estão sepultados em covas rasas, como indigentes, sem as cruzes de identificação, poupadas para evitar gastos supérfluos; os gestores municipais temiam a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal, para eles uma norma a ser revogada urgentemente.

Pobre garoto! Órfão, doente, faminto e sem esperanças futuras.