Primeira Briga!
Logo após a festa fomos viajar em lua de mel. Destino, Rio de Janeiro!
Eu estava super feliz em viajar com meu marido ( hummmm, que interessante, marido agora!) no nosso Simca Chambord amarelo, o carro da moda!
Primeiro fomos para São Paulo, passamos a nossa primeira noite num pequeno, mas aconchegante hotel.
Era muito boa a sensação de poder fazer sexo, dormir e acordar juntos, sem pressa, sem susto.
Sentia-me super segura ao lado do meu marido; ele era para mim uma espécie de herói:junto dele eu não tinha medo de nada!
Para ele, dirigir em São Paulo era coisa simples; até enchente pegamos! Viajar de carro pela Via Dutra até o Rio de Janeiro, coisa fácil!
Eu tinha sido criada com muitos medos e limitações; meu pai era precavido, trancava as portas, era cuidadoso com tudo.
Já o Mauro não tinha medo de nada, parecia que se sentia seguro e à vontade no mundo, como se fosse o dono de tudo.
E realmente, ele se “esparramava” em todos os ambientes, tomava conta do espaço todo; não se encolhia nem se fechava como eu.
Hoje eu sei que timidez, fechar-se, isolar-se das pessoas, é proveniente do orgulho, em não querer se mostrar, ter vergonha de si mesmo. Ele era simples, natural, mostrava-se como realmente era.
E não era nenhuma flor que se cheirasse... Agressivo, egoísta, chegava a ser grosseiro. Não tinha a capacidade de entender o ponto de vista dos outros, não se colocava no lugar de ninguém. O que importava era o que ele pensava e achava; e afirmava isso categoricamente, alto e bom som, para quem quisesse ouvir.
E eu ia me deixando dominar e envolver cada vez mais pela personalidade dele, abafando a minha. Afinal, era mais fácil e cômodo para mim, pois assim eu não precisava lutar pela vida, ele fazia isso por mim. Só que eu não sabia, mas tudo tem o seu preço e eu teria que pagar o preço desse comodismo, de várias formas no decorrer da nossa convivência.
Um aspecto difícil da personalidade dele era o famoso “levar vantagem em tudo”: não me importo com nada nem com ninguém, se precisar eu passo por cima de qualquer coisa para conseguir meu objetivo. Para ele o dinheiro era a mola que movia o mundo!
Eu, ao contrário, era sentimental, impressionável, sempre dando importância ao que os outros vão pensar e desligada dos aspectos materiais da vida, chegava a ser displicente e algumas vezes me omitia dos meus deveres de esposa e dona de casa.
Vejam como a Vida é sábia: éramos dois opostos atraídos pelas qualidades e defeitos que precisávamos polir, aperfeiçoar e equilibrar.
Não é nada fácil: a Vida nos coloca lado a lado, com nossas arestas, para que devagar, através do choque constante e do desgaste diário, possamos ir arredondando nossas formas pontiagudas... E isso dia a dia, hora após hora, minuto a minuto, na convivência cotidiana.
Bem, ali estávamos nós, jovens e felizes, indo de Simca Chambord para o Rio de Janeiro. Nossa primeira viagem a sós; eu desfrutava da novidade de estar casada, de dormir e acordar juntos, das alegrias da lua de mel.
Chegamos ao Rio sem reserva de hotel, em pleno mês de fevereiro! Típico do Mauro, que se achava seguro a ponto de ser imprevidente. Depois de rodar por horas e bater em inúmeros hotéis, achamos um hotelzinho simpático no Leblon, onde ficamos até conseguir alugar um apartamento mobiliado em Ipanema.
Saíamos para passear o dia todo, fomos conhecer todos os pontos turísticos da cidade que realmente é maravilhosa! À noite íamos a shows, cinemas, bares, restaurantes. Foram quinze dias maravilhosos; nesse ponto meu marido era perfeito!
De volta para casa, começamos a vida de casados. A casinha estava mobiliada; só não tínhamos geladeira nem TV. Eu estava no quarto ano da faculdade, estudava à tarde; à noite dava minhas aulas na Escola Técnica. O Mauro trabalhava o dia todo no posto; íamos almoçar numa pensão, em frente ao Correio.
À noite, meu marido se aprontava para sair. Eu perguntava aonde ele ia. E ele dizia:
-Vou me encontrar com meus amigos.
Hoje vejo que algumas mulheres têm a tendência de abandonar suas amigas quando começam a namorar firme; já o homem conserva suas amizades, seus interesses particulares, sua diversão. Ele saía, ia conversar com os amigos, tinha o futebol. Eu só ia lecionar e ia para a faculdade; entretinha-me com minhas leituras.
Nunca fui uma dona de casa muito prendada; fazia o indispensável e não dava a mínima importância para ter uma bela casa nem para adquirir coisas: na verdade, parecia que eu ainda estava vivendo um sonho; que quando tudo acabasse não sobraria mesmo nada e então nada tinha muita importância...
Naquele quarto ano da faculdade, tive aulas com um professor muito especial: Alfredo Gomes, cuja figura muito me impressionou.
Ele era um orador nato; tinha um vozeirão de tenor; havia sido deputado, era um homem que tinha um magnetismo especial. Ficamos amigos, ele freqüentava a nossa casa. Sua matéria era Estudo de Problemas Brasileiros, uma disciplina nova, introduzida pela ditadura militar. O pessoal da Universidade não o aceitava muito por causa de suas ligações com o militarismo, mas isso não me importava; eu achava-o interessante, ele contava histórias e eu gostava de ouvi-lo e ele também me admirava.
Na formatura fui novamente a oradora da turma. A cerimônia foi no cinema: muito bonita; todos de beca, nós fizemos o juramento. O discurso do paraninfo foi emocionante.
A vida continuava, agora eu não tinha mais que ir à faculdade, sentia falta das aulas, dos colegas.
Um dia eu e o Mauro tivemos uma briga, uma discussão por causa de família, eu falei algo que ele não gostou nada; ele me deu um tapa no rosto! Fiquei revoltada, gritei, fiz um escândalo! Fui para a casa dos meus pais, falei que ia terminar o casamento, contei para todo mundo! Foi bom fazer isso, porque ele nunca mais encostou a mão em mim, aquela foi a primeira e a ultima vez!
Mas não ficou só por isso não. No dia seguinte arrumei uma mala, peguei um ônibus e fui para São Paulo; apareci lá no apartamento da minha tia Leonora. Não disse a ela que tinha brigado com meu marido; ela era muito tradicionalista e se eu dissesse, ela me faria voltar para casa! Era tempo de férias, disse a ela que eu tinha ido passear, passar uns dias em São Paulo.
O apartamento ficava no Viaduto Nove de julho, em frente ao prédio do Diário Popular. A cidade me encantava e assustava ao mesmo tempo. Eu achava aquela correria muito louca e tudo muito perigoso; ficava zonza com o movimento constante dos carros, aquele barulho dia e noite, aqueles prédios enormes!
Ao mesmo tempo eu sentia uma atração irresistível por aquela vida agitada, aquela multidão que ia e vinha sem parar, aquela cidade enorme sempre em movimento. O apartamento era no sexto andar; à noite o barulho diminuía, mas de madrugada começava de novo a correria: freadas, buzinas, sirenes...
A tia Leonora me levava para passear; ela dizia antes de sairmos de casa:
-Cuidado com a bolsa, fique atenta, pois tem muito ladrão pelas ruas.
Eu ficava apavorada! Mas achava tudo uma aventura interessante!
Fomos visitar o tio Geraldo, irmão da tia Leonora. Ele era casado com a tia Antonia. Na casa deles conheci o irmão dela, o Beto. Ele tinha uma agencia de publicidade, era muito simpático e me convidou:
-Você é muito bonita, vamos fazer umas fotos!
Não aceitei; era casada e nunca que meu marido ia permitir...
O Beto era muito empreendedor; foi ficando famoso e construiu um parque de diversões enorme, o famoso “Beto Carreiro”.
Fomos visitar o meu amigo professor Alfredo Gomes ; ele era chefe de Gabinete da Secretaria da Educação, que funcionava na Praça da República.
Que praça linda cheia de bustos de personagens históricos, que prédio maravilhoso e imponente! Fiquei encantada. O professor Gomes nos levou para tomar um aperitivo num bar próximo; sentamos na janela do segundo andar, dava para ver toda a praça. Uma delicia!
Logo tive que voltar para casa: meu marido veio me buscar, todo apaixonado e arrependido.
Lá era minha cidade, lá estava minha casa, meu trabalho como professora, minha família.
Mas o sonho de viver e trabalhar na cidade grande nunca se apagou...
continua...