Falar em Público



Eu tinha uma amiga: a Lili. Morava perto da minha casa; eu ia muito a casa dela e gostava de conviver com uma família “normal”.
A mãe dela costurava muito bem, fazia roupas para as três filhas, até casacos de lã ela sabia fazer! Também cozinhava muito bem; lembro-me do doce de carambolas em calda!

A Zizi era muito bonita, morena, cabelos lisos e compridos, muito elegante. Na entrada da casa dela havia também uma escadinha de degraus encerados: ficávamos horas sentadas nela, desfiando nossos sonhos... Ela estudava na escola pública e eu na particular, mas as demais coisas fazíamos tudo juntas: cinema, clube, biblioteca. Então ela começou a namorar o Genualdo, um moço muito bom que fazia faculdade de odontologia; depois se casaram e foram morar em Santos.

Eu comecei a namorar o Roberto; era um moço alto, bonito. Fazia o Tiro de Guerra, quer dizer, o serviço militar; depois teve que ir para servir o Exército em Brasília. Trocávamos cartas; depois terminamos o namoro, nem sei bem o motivo.

Perto do Colégio onde eu estudava, havia uma escola do SESI e por acaso descobri um Curso de Oratória. Foi minha primeira experiência de falar em público, coisa que sempre me atraiu. Preparei uma estória emocionante; não me lembro agora o assunto, sei que o final era inusitado; aplaudiram muito. O professor elogiou:
-Já pensou em se tornar atriz?

Mas estou me lembrando agora, minha primeira experiência com falar em público foi na escola, aos oito anos. Fomos passar uns tempos em Guariba, na casa de minha tia Petita, numa outra vez que minha mãe foi internada, isso antes dos meus irmãos nascerem.

Guariba era um espaço mágico: tinha tudo o que uma criança queria para viver e ser feliz! Havia as primas Maisa e Mara; o pai delas, tio Daury, acreditem! era o dono do cinema! Era uma festa! As cadeiras eram aquelas simples, de madeira; íamos todas as noites assistir àqueles filmes antigos, em preto e branco: Mazzaropi, Tarzan, Marcelino Pão e Vinho, Zorro! Um irmão do tio Daury era dono do armazém; o outro irmão tinha um bar cheio de doces, balas e pirulitos!

Na casa da Batati, uma vizinha, havia no quintal, enorme, um barco abandonado que tinha sido construído para um desfile de Carnaval; lá brincávamos e vivíamos loucas aventuras de piratas. A mãe da Batati fazia uma comida que nunca vou esquecer: numa frigideira grande, no fogão de lenha, ela punha um pouco de óleo, quebrava uns ovos, punha feijão, arroz, farinha de mandioca e mexia tudo! Era dos deuses!

Um dia a tia Petita me pegou para dar banho! O banheiro era um quarto onde havia um bacião de alumínio; a água era esquentada no fogão de lenha. Como a cidadezinha não tinha asfalto e nós brincávamos na terra o dia inteiro, fui criando um “cascão” e naquele dia ela me esfregou pra valer! Não me esqueci nunca mais de ter alguém cuidando de mim, mesmo que tenha ardido e eu tenha gritado!

Tia Petita era professora e eu fui estudar na sua classe. Ela me mandou ler um texto em voz alta. Pus-me em pé, toda feliz e li com clareza e elegância. Ela elogiou:
-Vocês viram como é ler bem?
Fiquei toda orgulhosa e tia Petita ficou para sempre no meu coração.

Agora noto que sempre gostei de falar em público e sempre tive atração por oradores: adorava ouvir aquelas vozes bem entonadas, que pronunciavam tudo com clareza e boa dicção! Eu estava terminando o curso ginasial e na formatura do fui a oradora da turma; eu mesma escrevi e discursei com o maior prazer.

E agora? Terminada a oitava série, o que fazer? Agora a opção era fazer o curso normal que me habilitaria para ser professora primária. Esse era o caminho que quase todas as moças da época escolhiam; era o chamado “curso espera marido”. Havia também o cientifico, mais escolhido pelos rapazes, para a área de ciências exatas, e o clássico, que preparava para a área de humanas. Meu pai achou melhor que eu fizesse o curso normal, pois assim quando terminasse eu já teria uma profissão...

E essa profissão também incluía falar em público...

   continua...                                 

Malu Thana Moraes
Enviado por Malu Thana Moraes em 21/10/2009
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