Bem-vido punhal
Aquele amor não existia na vida real, era fantasia. Os corpos não podiam se encontrar por menos de três horas. Sentiam uma terrível falta um do outro quando se iam. Os toques, os beijos e os cheiros iam tomando proporções maiores que seus desejos. Quando estavam juntos, no apartamento ou em qualquer lugar que seja, eles não pensavam. As mãos que tocavam seu corpo eram as mesmas que moldavam a argila mole e úmida que se transformara num cálice pela manhã. Estava confirmada a possessão. Não havia nada de leve no clima. O ambiente era carregado, porém envolvente. Eles não pensavam. Entendiam que o amor era algo simples, que apenas fazia parte do dia, como o nascer do sol que não tem surpresas nem motivos. Apenas está lá. Então, num desses capítulos especiais da vida, em que tudo acontece, eles sentiram necessidade da distância. Da solidão entre si. E submeteram-se a um período de separação. Foram infindáveis duas horas sem se falar, mas ao primeiro toque do celular, as lamentações deram lugar ao coito. Como resistir. A pele suada exalava paixão e o sangue escorrendo dos ouvidos diagnosticava o derrame. Foi penosa a separação. Ele não resistiu. Ela, na lembrança dos momentos que viveram, mostrara-se feliz e tivera tempo de sorrir antes de apertar o gatilho.