Do Tarde da Noite de Amanhã

(03.07.2007)

“Talvez haja apenas um pecado capital:

Devido à impaciência, fomos expulsos do Paraíso;

Devido à impaciência, não podemos voltar”

(Franz Kafka)

José Ka está radiante. Amanhã tem final de futebol e seu lugar já está garantido, mesmo que a duras penas: virou a noite na fila para conseguir seu ingresso.

Acabara de chegar tarde do trabalho, e Domingo estará de folga. Verá a final no Maraca. Mal conseguia dormir.

São duas horas para ir e duas para voltar, do supermercado onde trabalha. Acorda às quatro, sai às cinco para estar lá às sete. E sem saber a hora que irá voltar: a condução pode acabar; o trem pára, os ônibus param. Tem que sair correndo para chegar

Além do mais, não recebe horas extras. Certa vez, no calor da temporada de verão de Santa Catarina, perguntou a uma funcionária: “por que não fazemos greve? É nosso direito receber horas extras”, no que ela respondeu “se fazemos greve, um monte de gente aparece na porta para tomar o nosso lugar. E os políticos que se dizem do trabalhador não querem nem saber. Sempre se unem aos poderosos. E nós, acabamos sem ter o que comer”

É domingo de manhã. José acorda empolgado. Sai cedo para, no caminho, descer na Santa Felicidade e tomar sua cervejinha e seu feijão amigo. Vai pela Volta da Jurema até a Estação de Japeri. Faz baldeação em Jaçanã. Depois da Lagoa da Conceição, salta em frente ao Elevador Lacerda e, na Pampulha, entra no ônibus para o Maracanã. Antes, porém, desce para o seu tão esperado caldinho de feijão com cerveja, na Pizzaria do Hugo

“E aí, Mauro?! Beleza?”

“E aí José? Já reparou como o tempo está passando rápido? Já estamos quase em Agosto!”

“Mauro, hoje ainda é três de Julho!”

“Pois é, Zé. Mas, ainda ontem, quando esteve aqui da última vez, começava o campeonato. Hoje já é final. Você vai ver como passa rapidinho e já é Agosto”

Bebeu, comeu, pediu e pagou a conta. “Abração, galera!”

No 422, que leva pro Maraca, surpresa (surpresa?): Arrastão na Tijuca. A turba de delinquentes entra e sai levando tudo. José fica sem ingresso e sem dinheiro. Um policial chega distribuindo grosseria. Arrogante, leva todos para colher informações. No meio do interrogatório, ouve alguns comentários sobre futebol. Ainda tem espírito para perguntar: “Quem ganhou o jogo?”. “A Inter de Milão”, responde o escrivão, sem olhar para ele.

Tarde da noite, José consegue chegar ao seu barraco. Triste, derrubado, ainda enfrentaria as chacotas, no dia seguinte

Segunda-feira. Acorda sonolento e olha para o lado. Atrasado!

Corre para a estação e se joga no trem. Entra no ônibus, sem ver ninguém

Chega. Seu chefe nem quer saber no que estivera metido. Demitido!

Arrasado, sai do Supermercado Mundial. Na multidão do Recife Antigo, é apenas mais um. Indecifrável, irreconhecível. Para onde ir? Sentiu-se um inseto que zanza na autoestrada, à espera do primeiro para-brisa.

Na TV da loja da esquina, um engravatado diz que o país está crescendo; e a fome, o desemprego e a violência diminuindo.

“É mesmo, cara pálida?”