Quando o Mundo Chama

Camille corria desesperada pelas ruas de Paris. Não sabia como havia parado lá, simplesmente corria com o pavor a perseguindo. Era noite e as ruas estavam cheias de parisienses e turistas. Ela passava por todos e sentia que não a percebiam. Corria gritando, com lágrimas nos olhos, a boca crispada.

De repente parou no meio de uma praça e gritou. Todos ali convergiram seus olhares imediatamente para ela, com exceção dos outros que obviamente estavam a observando desde que ela apareceu em seus campos de visão. Seu corpo despencou no chão sem sinal de vida. O que quer que a estivesse perseguindo conseguiu alcançá-la.

*

Em algum lugar da Espanha, em algum quarto, dois corpos formavam um símbolo. Cada um virado em uma direção, deitados na cama, a perna de um apoiada nas costas do outro, cabeças distantes, lençóis emaranhados em seus corpos cansados. Eles respiravam calma e profundamente. Os seios se moviam ritmicamente.

- E agora? Ainda acredita ter certezas?

- Mais do que nunca. Cada vez mais tenho certezas mais certas.

- Isso não existe. Não existem certezas, e sim ilusões.

- Cale a boca e não questione minhas certezas. Você faz parte delas.

- Piegas.

- O mundo é piegas. E você é tonta.

O mundo passava em um conto de fadas, nada parecia real. Tudo parecia ser fantasia e sonhos. Tudo era desejos e realizações. Tudo parecia ser eterno.

Parecia ser eterno também a angústia grudada no peito, a lágrima que estava prestes a existir no canto do olho amargurado e tremulo. O pensamento ficou preso entre alguns neurônios e não se concretizou em ação pelos músculos. O pensamento de olhar o relógio ficou parado no tempo, junto com a lágrima a existir. No momento em que apenas um daqueles olhos encontrasse o relógio, não seria necessário nem mesmo a compreensão daqueles símbolos impiedosos, o feitiço estaria quebrado. Nada mais seria eterno; nada mais teria gosto. O mundo apareceria para cobrar os juros das horas passadas.

Os olhos estavam paralisados na cortina com medo do que veriam, ou do que não entenderiam. Mas enfim eles chegaram ao seu malfadado destino. E fosse aquilo 9:05 ou 5:06, da manhã ou da noite, ou se ali não existia mesmo um relógio, tudo em seguida caiu. O quarto se tornou escuro e úmido, com uma luz fria e azulada. Os sons se desfizeram em um silêncio macabro. Os corpos se tornaram frios; tão frios que queimavam a pele e tornavam impossível continuarem se tocando. Enrugados e velhos, o mundo caiu sobre eles.