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- Feto não é filho... Aborta!
O tom de álcool... O efeito da carreira... O discurso brutal do pai não dava brecha.
- Ela devia ter se cuidado, filho!
Na adolescência, a inconseqüência sempre tenta ser remediada pelo “cortar o mal pela raiz”.
- Eu conheço bem esse tipinho. O filho nem deve ser seu. Quer se safar. Não quer acabar como a mãe. Quer status. O lance de família é luxo. Maquiagem. Você verá como ela vai virar o zoinho quando entrar aqui. Aquela porta apaga qualquer honra maculada. Dar é do seu instinto. Daria pra qualquer um. Como acredito que já dava. Não falei nada antes porque você precisava sentir nossa função no mundo. Aborta e pronto.
O filho era todo ouvidos. Era maquiavélico. Tinha por quem puxar. Cada palavra do pai era uma estratégia. Tinha que ser o mais cedo possível. Sua noiva já desconfiava.
- Eu sei do que estou falando. Na sua idade, já nem esquentava com isso. Três abortos no currículo. O primeiro satisfatório. Nem palavra sobre o assunto. O segundo deu um pouco de problema. Ficou no meu pé por algum tempo. Quase acabou com o lance entre eu e sua mãe. O terceiro foi perfeito. Morreram as duas. Mãe e filha. Mulher não carrega o nome da família. Não me daria herdeiros. Dois coelhos numa tacada só. Essa até que era bem calminha. Subordinada. Sabia seu lugar. Mas na dúvida, melhor não apostar. E assim, meu filho, tudo caminha. O homem é pago pra perpetuar a espécie. Tá na Bíblia. Na mídia. Na casa da vizinha. No bar da esquina. Na cama com qualquer vadia. Esse teu sorriso me confirma que meu discurso foi produtivo. Ai... Até lembrei de meu pai.
Nesse instante virava-se a página para outra lição.