MEU PEQUENO RIVAL
Tinha a cabeça baixa, assim não via os seus olhos. O cabelo lhe caía sobre o rosto. O livro, sei, capa negra, volumoso, para o qual todo seu corpo mergulhava em reverência à leitura. Vendo-a, assim, de longe, estática, concentrada, vez em quando seus dedos esboçavam um movimento vagaroso ao mudar a página, dava-me a impressão de que apenas sua sombra estava ali. A moça lia. E eu buscava decifrar-lhe o pensamento, segurando-me para não ir lhe afastar a cabeleira negra que ocultava sua face. Desejei estar com ela naquela viagem. Ia tão distante de mim que me sentia completamente só, naquela sala de espera. Espera... O que mesmo esperava? Ah, o dentista. No entanto, eu somente queria aquele olhar perdido da moça desconhecida que se destacava em frente a paisagem na parede: montanhas e caminhos infinitos, irreais, imaginários... Lá estava ela? O que a tirava de mim, deixando-a tão inacessível a um contato físico, mental, espirítual...? Aquele exemplar em suas mãos alvas de unhas bem cuidadas? Só suas mãos me eram comunicativas, pois me entregavam um pedacinho de sua identidade ou uma possibilidade para imaginá-la. Apaixonei-me pelos seus dedos suaves e discretos. Com certeza dominavam algum instrumento musical. Mas o meu rival era um livro negro, sem título aparente, como um vampiro a sugar-lhe a alma, um misterioso cavaleiro das sombras que hipnotiza e seduz. Quais palavras encantadas esse lhe dizia? Que história apaixonante a conquistara? Então, enquanto me perdia em interrogações, de repente, lentamente, ela levantou a cabeça. Meu coração, estranhamente, palpitou à iminência do que viria, antecipando a sensação de um possível olhar tanto esperado. Vi!, por Deus, vi emergir daquela obra literária um outro corpo semelhante ao dela e tomá-la por completo! Talvez o retorno de sua alma... Imaginação? Depois de alguns segundos, nos quais eu ficara em estado de encantamento, a moça direcionou-me dois olhos negros de intenso brilho e, como se houvesse regressado ou despertado de um sono profundo, sorriu-me soletrando um "oi" que iluminou todo o ambiente. Quando ia lhe responder, bobamente, qualquer coisa, da sala do dentista me veio o chamado. Acompanhei a atendente até o consultório, estava meio confuso. Alguns minutos depois, regressando ao lugar de espera, a moça não estava mais ali. Senti um estranho vazio, aperto no peito, aquela sensação que se tem quando se perde algo muito importante de sua vida. Porém, lá estava o livro, capa negra, olhando para mim, em cima da mesinha de centro. Ela o esquecera de propósito ou por descuido mesmo? Apanhei-o, à surdina, como quem se apossa de um grande tesouro e, para matar a curiosidade, busquei o título na contracapa: "Uma viagem pelo silêncio". Ao folheá-lo, em busca de uma esperança, vi surgir um pequeno bilhete dentre o volume, no qual, em letras bem legíveis, li: "Convido-o a desvendar esta história, que não é minha nem sua, mas que pode vir a ser o começo da nossa... Até lá!
Tinha a cabeça baixa, assim não via os seus olhos. O cabelo lhe caía sobre o rosto. O livro, sei, capa negra, volumoso, para o qual todo seu corpo mergulhava em reverência à leitura. Vendo-a, assim, de longe, estática, concentrada, vez em quando seus dedos esboçavam um movimento vagaroso ao mudar a página, dava-me a impressão de que apenas sua sombra estava ali. A moça lia. E eu buscava decifrar-lhe o pensamento, segurando-me para não ir lhe afastar a cabeleira negra que ocultava sua face. Desejei estar com ela naquela viagem. Ia tão distante de mim que me sentia completamente só, naquela sala de espera. Espera... O que mesmo esperava? Ah, o dentista. No entanto, eu somente queria aquele olhar perdido da moça desconhecida que se destacava em frente a paisagem na parede: montanhas e caminhos infinitos, irreais, imaginários... Lá estava ela? O que a tirava de mim, deixando-a tão inacessível a um contato físico, mental, espirítual...? Aquele exemplar em suas mãos alvas de unhas bem cuidadas? Só suas mãos me eram comunicativas, pois me entregavam um pedacinho de sua identidade ou uma possibilidade para imaginá-la. Apaixonei-me pelos seus dedos suaves e discretos. Com certeza dominavam algum instrumento musical. Mas o meu rival era um livro negro, sem título aparente, como um vampiro a sugar-lhe a alma, um misterioso cavaleiro das sombras que hipnotiza e seduz. Quais palavras encantadas esse lhe dizia? Que história apaixonante a conquistara? Então, enquanto me perdia em interrogações, de repente, lentamente, ela levantou a cabeça. Meu coração, estranhamente, palpitou à iminência do que viria, antecipando a sensação de um possível olhar tanto esperado. Vi!, por Deus, vi emergir daquela obra literária um outro corpo semelhante ao dela e tomá-la por completo! Talvez o retorno de sua alma... Imaginação? Depois de alguns segundos, nos quais eu ficara em estado de encantamento, a moça direcionou-me dois olhos negros de intenso brilho e, como se houvesse regressado ou despertado de um sono profundo, sorriu-me soletrando um "oi" que iluminou todo o ambiente. Quando ia lhe responder, bobamente, qualquer coisa, da sala do dentista me veio o chamado. Acompanhei a atendente até o consultório, estava meio confuso. Alguns minutos depois, regressando ao lugar de espera, a moça não estava mais ali. Senti um estranho vazio, aperto no peito, aquela sensação que se tem quando se perde algo muito importante de sua vida. Porém, lá estava o livro, capa negra, olhando para mim, em cima da mesinha de centro. Ela o esquecera de propósito ou por descuido mesmo? Apanhei-o, à surdina, como quem se apossa de um grande tesouro e, para matar a curiosidade, busquei o título na contracapa: "Uma viagem pelo silêncio". Ao folheá-lo, em busca de uma esperança, vi surgir um pequeno bilhete dentre o volume, no qual, em letras bem legíveis, li: "Convido-o a desvendar esta história, que não é minha nem sua, mas que pode vir a ser o começo da nossa... Até lá!