JAPONÊS ARROMBA FESTA

Um Japonês, cheio da nota, recém chegado ao nosso país, de visita a parentes e amigos em São Paulo, muito fanático por todo e qualquer estilo de música brasileira, foi com sua namorada, ao paço municipal, assistir a uma apresentação do Zé Ramalho.

O lugar estava repleto de gente, o programa era gratuito. O oriental, homem de porte pequeno, magrinho, com seu português de imigrante (o qual se aventurava em refrões de músicas e em nomes de cantores brasileiros) e seu sorriso de “estrangeiro quer tirar foto”, de mãos dadas com sua morena estonteante, veio se aventurando multidão adentro, buscando um lugar adequado à visão do palco. Entretanto, estava bastante complicado se movimentar no espaço. As pessoas pareciam ervilhas enlatadas, em meio a esbarrões, empurrões e, pelo ar, perfumes de todo tipo. O casal tentava abrir caminho pedindo licença, mas o povo não arredava o pé e nem sequer parecia ouvir o pequeno estrangeiro de postura educada que dizia, sacudindo a cabeça como se tivesse afirmando alguma coisa: “Favor, licença pla gente, né?” Sua companheira, nativa da Bahia, sangue quente, nervos à flor da pele, estava a se segurar para não esmurrar ou mandar um ou outro “filada mãe”, que tentava acochá-la por baixo do empurra-empurra, para aquele lugar... Porém, não queria descer do salto na frente do possível futuro marido. Tinha que sustentar a pose de mulher fina. Afinal, logo, logo iria se casar com ele e morar do outro lado do mundo, onde a educação era milenar e sagrada. Conteve-se num sorriso amarelo, mordendo os lábios e abafando a sua baiana.

Enfim, depois de se amarrotarem nesse esfrega-esfrega, levar até beliscão, decidiram-se por parar num cantinho que favorecia a uma razoável visão do palco. O japonês suspirou aliviado, agarrando-se na cintura da namorada, a qual, bem mais alta do que ele, tinha que se curvar um pouco para abraçá-lo. Acomodaram-se e, alguns minutos depois, Zé Ramalho preenchia o ambiente com sua voz potente e seu porte sereno. O “Japa” mostrava que conhecia as músicas do artista. Muito entusiasmado, arriscava no refrão com seu português esquisito: “Molher novo bonito, carinhoso, fazerome geme sem dor...” Nisso, mal o Zé começou a cantar a segunda música, “Frevo mulher”, um rapaz alto e barbudo, pelas tampas de cachaça, pôs-se atrás do casal e disparou a gritar sobre o ouvido do nosso visitante: “Aí, toca o maluco beleza!” O pequeno oriental olhou por cima de seu ombro e sentiu o bafo quente do pinguço soprar seus cabelos, mas sempre tão comedido, voltou a atenção para o palco. A figura era a caricatura mal trabalhada do Raul Seixas. Passou a importunar o casal com a gritaria, chegando ao ponto de cuspir em suas cabeças. A baiana, visivelmente irritada, solicitou ao companheiro que procurassem outro lugar. Ele concordou, a apontar para os ouvidos, fazendo um gesto brincalhão: “Mosca no sopa, Raul, né!”

Foram de novo à via-crúcis. Empurra daqui, empurra dali... Optaram por um lugar distante do palco, que oferecia um pouco mais de sossego e uma estreita, mas ainda possível, visão do cantor. Quando já estavam curtindo a apresentação novamente, um homem bem nutrido, um garotinho bem nutrido e uma mulher bem mais nutrida resolveram parar na frente do casal, tapando a fenda que lhes possibilitava assistir à atração. O japonês olhou para sua dama, deu com os ombros, fez aquela cara de “fazer o quê?” (em japonês) e disse abrindo os braços: “Fat family, né!...” Assim, seguiram em busca de outro canto. A brasileira, ao seu lado, estava quase para rodar a baiana, imaginando até quando ficariam naquele empurra-empurra. “Melhor mesmo era irem embora”, pensava- “A calma daquele baixinho já estava dando nos seus nervos”. Entretendo, seguiu-o por entre a multidão, procurando se desvencilhar dos apertões e passadas de mãos no seu bumbum. “Bom aqui?”, perguntou o Japa, apontando para um canto. Ela assentiu sem muito interesse (afinal, aquilo lembrava um labirinto, andavam tanto e pareciam estar no mesmo lugar, na mesma aglomeração, no mesmo cheiro de suor!). E olha que nem gostava de música brasileira, preferia às internacionais, principalmente as que tocavam nas “raves”. “Em que idioma eram mesmo? E têm idioma? Ah, o que importava? O som é que fazia a diferença”, concluía. Mas o seu noivo tinha um repertório eclético em se tratando de musica brasileira. Conhecia de tudo: parecia carregar uma lista eletrônica dentro da sua cabeça. Dessa forma, achou melhor acompanhá-lo nessa empreitada, em vez de deixá-lo livre, leve e solto a favor de alguma “periguete” brasileira.

E assim se passava: Zé Ramalho cantava. Japonês, todo envolvido com a música, aplaudia e acompanhava o refrão. Namorada se entortava, fugindo de uma ou outra mão boba. Até que o pequeno oriental exclamou: “Ai, ai,ai... Vanessa, nom! A brasileira se voltou espantada para ele: “O que acontece, meu “sushizinho”?” “Vanessa!”, mostrava à sua frente. “Que Vanessa é essa?”, a moça insistiu sem entender nada. Ele fazia um gesto com a cabeça entre as mãos para passar a idéia de tamanho e dizia: “Cabelo, né!” E apontava à mulher alta e esguia com cabelos volumosos que se pôs bem na sua frente, tomando-lhe o espetáculo. Ele gesticulava e resmungava feito uma criança da qual se tinha roupado o pirulito. “Enfim, saíra do controle!” Só faltava pisotear o chão... quer dizer, nem isto faltava! “Japonês cansado!”, gritava. Fazia o gesto com as mãos mostrando o tamanho do cabelo da moça: “Vanessa... Mata...” “Agora japonês ver nada!” “Mata, Mata”, repetia. A companheira tentava acalmá-lo e as pessoas em volta começavam a se afastar, receosas e desconfiadas. “O Japa é doido e tá armado”, comentavam. “Fundiu a cuca... Olha como ele aponta pra cabeça!” E quando mais o povo fazia algazarra ao seu redor, mais ele se alterava, tentando explicar que só queria assistir ao espetáculo. Então alguém gritou que ele estava mesmo armado e queria matar à espetada a Vanessa, sua namorada. “Vanessa era aquela morena?... Cadê a morena?” A morena tinha sumido no meio da confusão. Chamaram a guarda que o apreendeu e levou até ao distrito.

Sentado em frente ao delegado o Japonês tentava explicar o ocorrido:
“Japonês só quer ver show de brasileiro Ramalho.”
“Mas disseram que o senhor estava armado dizendo que iria espetar a Vanessa... Onde está essa Vanessa, sua namorada?”
"Nom, nom! Nom ser Vanessa namorada minha...
“Ah, então é a outra ?”, interrompeu o delegado. "Queria matar sua amante?"
De repente, entrava porta adentro a baiana, arrumando as saias justas e gritando:
“Por favor, senhor delegado, pare agora!
“Vanderlea!”, exclamou o japonês com um sorriso saltando dos lábios.
“É a Vanderlea ou é a Vanessa?”, perguntou o delegado, irritado.
“Meu noivo é inocente. Ele só queria ver o show do Zé Ramalho, mas uma moça de cabelos que lembravam a cantora Vanessa da Mata tapou sua visão e ele só estava reclamando. Veja só, meu senhor, que injustiça!...
O delegado, depois de horas com aquele blá-blá-blá, deu por encerrado o mal entendido e os mandou saírem de fininho, sem olhar para trás.

Já no seu apartamento, depois de um banho e uma massagem relaxante, deitado no colo da morena insinuante, o oriental concluiu:
“Enton, japonês volta satisfeito pra Zapon. Realiza sonho: Foi festa de arromba, dança na risca-faca, levanta poeira, passeia com jovem guarda, rala tcham e come a vatapá da tabuleiro do baiana gostoso. Bommmm, né!...“