UMA TRANSA MÁGICA

E mais uma vez, Flavinha vai à caça. Não, espera aí! Não vá logo a imaginando de colete cheio de bolsos, calça, chapéu e botas que fazem todo o estilo. Essa caça era aos homens. Assim, seu vestuário era um vestido bem justo, a denunciar seu corpo exuberante e de medidas perfeitas, com um decote que apontava, feito uma flecha indicadora, o caminho abaixo do umbigo e, ainda, deixava saltar, para fora, a saliência dos seis fartos que faziam biquinhos aos transeuntes. Verdadeira predadora, com seus olhos negros, brilhantes, de pupilas dilatadas, prontos ao ataque. Sua presa nunca era a mais fácil. Preferia às arredias, fujonas (esses homens que davam a entender que eram comprometidos com o amor de suas vidas). Era isso que atiçava seu desejo, sua libido, sua fome sexual. Mas não estava, apenas, à caça de sexo rápido e satisfatório. Justamente aí, que simulava a entrega total de suas reservas. Transforma-se numa mulher romântica e carente, aberta às sensações. Dava-se como se jamais houvesse tido tal experiência. Fazia o cara acreditar, pois ela mesma se deixava acreditar, por um momento, que o “dito” era o melhor amante do mundo. No entanto, no dia seguinte, descartava-o, junto com as duas, três ou quatro camisinhas, na lixeira do quarto de motel. Não deixava telefone, endereço, vestígio de seu paradeiro. Abandonava-o na cama, sorriso bobo nos lábios, em seu sono profundo, no qual, com certeza, sonhava que era um xeique imponente, másculo, que havia dado, à nobre vagabunda, a melhor noite de amor de sua vida vadia. Imagine seu desapontamento ao acordar... Cadê? Ué!... Não seria ele que deveria ter dado no pé? O que fazer com seu ego ferido? Abandonado, num quarto de motel barato, com a sensação de que já tinha vivido algo parecido, só que estando do outro lado da situação. E ele que se achava tão cavalheiro, quando deixava sua vitima, ao menos, na rua da casa dela, despedindo-se com um beijo ardente e a promessa de que ligaria... Tem mais: de tabela, sua noiva, mulher com quem ira se casar, depois de ele ter dado mais um dos seus saltos à vara sobre a cerca alheia, era sempre presenteada com uma jóia, flores, bombons... Tudo saía direitinho conforme o padrão do universo... Então, como seria agora? Contudo, o que mais iria lhe doer é, quando fosse pagar a conta na recepção, descobrir, sobre o sorriso vitorioso porém discreto da atendente, que a madame já teria encerrado o débito. “Cadela!”, xingaria em pensamento.


Assim, lá ia a caçadora, em busca de mais um troféu por suas aventuras: o orgulho ferido de um garanhão. Ela não cultivava arrependimentos, qualquer espécie de culpa ou constrangimento. Sua reputação era de uma mulher dotada de magia, entre as mulheres que simpatizavam com sua causa mas que não tinham, literalmente, peito para tanto (mas se acaso os tivessem, faltar-lhes-ia o talento). Rolava um clima de cumplicidade no ar. Muitas não admitiam a admiração por ela em público, todavia, faziam o trabalho de divulgação dos seus feitos pelos salões de beleza, filas de banco ou, mesmo, depois da missa de domingo: “Viu? Estão dizendo que aquele fulano também caiu nas garras da fera...” “É menina, ele teve o que merecia. Pensou que era comer e sumir... Foi comido e cuspido!”


Sobre Flavinha, de fato, ninguém sabia nada (nem sequer se esse era mesmo o seu nome). Sua identidade era ainda um mistério. Ia fazendo história por meio de suas vítimas. Revezava suas caçadas em bares, casas noturnos que não se localizavam sempre na mesma cidade. Procurava não repetir os lugares. Mas a sua fama rodava quilômetros e estava criando, entre os homens de vida noturna, situações vexatórias. Pois, toda mulher bonita que se aproximava insinuante de um ou de outro, deixava o cabra em alerta: se fosse a Flavinha... Veja, aí, o cúmulo do machismo! Nem uma boa transa valeria o posto de ser o primeiro a abrir a porta de saída! Já pensou ficar esperando, aflito e esperançoso, um telefonema, um bilhete, um recadinho, um “oizinho” qualquer, durante dias e nada? Os mais precavidos, aqueles que não conseguiam resistir a mulher bonita, já adotavam alguns cuidados e estratégias para não serem pegos de calças no chão: pagavam a conta antes de usar o quarto, monopolizavam e escondiam as chaves, providenciavam um bela gorjeta para recepcionista de sorriso discreto e pediam para serem acordados, por um telefonema programado, depois de tantas horas calculadas. "Ora! E se fosse a Flavinha..."


Realmente, Flavinha causava exaltação.
Como denominar o homem que cruzar com Flavinha? Sortudo, azarento... Depende com qual das duas cabeças ele pensa. Prefiro ressaltar Flavinha como uma transa mágica, fazendo lembrança àquela piada: “faz sexo com mãos de fada e desaparece como por encanto”.