CAVIAR AO MOLHO POODLE
Vovô fora expressamente proibido, pelo seu médico, de comer massas em geral, doces, comidas muito gordurosas, salgadas, beber bebidas alcoólicas, refrigerante etc.. Grande tortura para o vô que era um glutão, um beberrão irremediável e teimoso, partidário à propagação da feijoada de domingo para os outros dias da semana e, ah... claro, que a caipirinha deixasse de ser tão caipirinha e ganhasse sua cidadania sobre a mesa do dia-a-dia. Mas lá estava toda a “parentada” exercendo o papel de fiscal da saúde do velhinho birrento. O contraventor era vigiado dia e noite, noite e dia. No entanto, havia sempre um distraído ou cochilando na guarita. Nisso, grande oportunista, o danado se valia e ia assaltar a geladeira, os armários, as panelas em cima do fogão, sempre à surdina, sem causar alarde, pé ante pé. Às vezes, a sirene do flagrante soava pela casa. A garotada era quem mais se divertia em entregar o pobre: “Olha! o vô assaltando a geladeira!” Era lhe apreendido as iguarias, uma reprimenda categórica de um ou de outro e tudo ficava combinado, ok?
Numa dessas comemorações de acontecimentos grandiosos na família, noivado do neto mais novo filho da filha mais nova (a mais bem sucedida do clã, viúva de um fazendeiro milionário, freqüentadora assídua de reuniões beneficentes que contavam ponto para sua aparição nas colunas sociais, emergente querendo se enturmar e se firmar no mundo dos ricaços), vovô se armou pra se dar bem. A comida era farta e a bebida bem disposta e acessível pelo ambiente. Lustrou o par de dentaduras, o terno, os sapatos e regulou a gravata borboleta no pescoço perfumado. Com certeza, pelos seus cálculos, não haveria vigilante de plantão, todos queriam fazer sua boquinha. Afinal, a grã-fina não medira gastos e deslumbre para brindar a união do filho à moça da alta sociedade.
Feito e visto. Havia tanta comida (baldes de caviar)... Ora, titia não estudou a cartilha da etiqueta para festa de noivado? Não sabia ela que em festa de rico não se mistura churrasco, salada de maionese, cerveja com canapés e champanhe importada? Mas pra “nóis”, aqui da periferia, tudo se aproveitava. Para o vovô, então, estava tudo nos conforme: de mesa em mesa, de copo em copo, ia se fartando para o resto do ano que ficaria vegetando. Ninguém se prontificou ou se lembrou de ficar de olho nele. O bicho “tava” solto...
Falando em bicho, entrava em cena, uma cachorrinha poodle, “bichinho-filha-caçula” da minha tia. Presente de uma dessas madames falidas que se tornou a sua personal de etiquetas, preparadora para fins de bons modos e comportamento, dentro das grandes rodas de gente chique. Essa pequena criatura, a cachorra, não se entendia muito bem com o nosso vovô; ou seja, eles não se cheiravam, era recíproco o desafeto. A Antonieta, nome da dita cuja, quando farejava, no ar, aquele velho reclamão, mostrava os dentes, fazendo lembrança ao humorista Tom Cavalcante quando está interpretando uma careta de choro (Quem já viu?). E o vô? Fazia a mesma... a mesma careta! Era necessário intervir na situação, separá-los de recinto. Até este detalhe fora esquecido, pois a poodle, toda empinada com seu penteado última moda do mundo “cão-fofo”, era uma das convidadas especiais...
Então... meu velho vô, depois de se empapuçar de tudo, satisfeito e vingado, sentado de pança estufada ao banquete ainda quente, desabotoou o terno e a camisa, afrouxou a gravata, tirou os sapatos debaixo da mesa, o par de dentaduras (este, recheado, entre os dentes, de todas as iguarias proibidas pelo doutor, vestígio de um crime que não fora perfeito) e, depois de escondê-lo sob o guardanapo, descalço mesmo, resolveu ir fazer um pipi, para aliviar-se da cerveja.
Enquanto isto, Antonieta, saiu do colo da dona, que estava entretida com alguns convidados da ala chique, e resolveu dar um passeio pelo ambiente. Ainda não tinha sentido a presença do inimigo, talvez o perfume o bem disfarçara. Pulou em cima daquela mesa enorme, que se estendia de um lado a outro do salão, e desfilou com seu andar “salto-alto”, farejando algo interessante, debaixo de um determinado guardanapo. Cheiro de churrasco, oba! Abocanhou o par de dentaduras!
Vovô, por sua vez, aliviado, sorridente sem dente, e pronto pra outra, voltava pro seu assento. Buscou a “chapa”, nada... Procurou-a pelo chão, debaixo da mesa... A cadela degustava um osso que parecia... “Minha dentadura!”, gritou estupefato. Os convidados, que até então, estavam tão envolvidos com a boca livre, tantos os “altos” quantos os “baixos”, voltaram-se para a treita: A cachorra rosnava com uma das dentaduras na boca e o vô a cercava pelos cantos, maldizendo-a... Os parentes foram tentando contornar a situação.(titia foi dando chilique) Pega daqui, pega dali... O bicho pelo salão, fazendo o vô de bobinho, parecendo que zombava dele, com dentes postiços... Era garçom tropeçando (flash, flash e mais flash), mesa tombando, cachorro debaixo de vestido longo, madames dando gritinhos (titia pedindo pelo amor Deus) (flash, flash e mais flash), noivo e noiva fugindo para o escurinho, vovô tirando a cinta: vem cá seu cão do inferno!, molecada se divertindo, poodle dando olé, saltitando de colo em colo (titia descendo do salto), Antonieta, nosso Tom Cavalcante de rabo pomposo, rosnando e sorrindo para o cerco entorno dela, meu vô banguela perdendo as calças no meio de todo mundo... (flash, flash e mais flash). Enfim, terminada a bagunça, estipulado o prejuízo, limpada a sujeira, comentado e abafado o ocorrido, vovô voltou pro castigo e o fuzuê era assunto na coluna social: “CAVIAR AO MOLHO POODLE”. A foto (flash!) de Antonieta, com um sorriso familiar nos lábios, banhada em caviar, estava estampada na página tanto almejada pela titia.
Vovô fora expressamente proibido, pelo seu médico, de comer massas em geral, doces, comidas muito gordurosas, salgadas, beber bebidas alcoólicas, refrigerante etc.. Grande tortura para o vô que era um glutão, um beberrão irremediável e teimoso, partidário à propagação da feijoada de domingo para os outros dias da semana e, ah... claro, que a caipirinha deixasse de ser tão caipirinha e ganhasse sua cidadania sobre a mesa do dia-a-dia. Mas lá estava toda a “parentada” exercendo o papel de fiscal da saúde do velhinho birrento. O contraventor era vigiado dia e noite, noite e dia. No entanto, havia sempre um distraído ou cochilando na guarita. Nisso, grande oportunista, o danado se valia e ia assaltar a geladeira, os armários, as panelas em cima do fogão, sempre à surdina, sem causar alarde, pé ante pé. Às vezes, a sirene do flagrante soava pela casa. A garotada era quem mais se divertia em entregar o pobre: “Olha! o vô assaltando a geladeira!” Era lhe apreendido as iguarias, uma reprimenda categórica de um ou de outro e tudo ficava combinado, ok?
Numa dessas comemorações de acontecimentos grandiosos na família, noivado do neto mais novo filho da filha mais nova (a mais bem sucedida do clã, viúva de um fazendeiro milionário, freqüentadora assídua de reuniões beneficentes que contavam ponto para sua aparição nas colunas sociais, emergente querendo se enturmar e se firmar no mundo dos ricaços), vovô se armou pra se dar bem. A comida era farta e a bebida bem disposta e acessível pelo ambiente. Lustrou o par de dentaduras, o terno, os sapatos e regulou a gravata borboleta no pescoço perfumado. Com certeza, pelos seus cálculos, não haveria vigilante de plantão, todos queriam fazer sua boquinha. Afinal, a grã-fina não medira gastos e deslumbre para brindar a união do filho à moça da alta sociedade.
Feito e visto. Havia tanta comida (baldes de caviar)... Ora, titia não estudou a cartilha da etiqueta para festa de noivado? Não sabia ela que em festa de rico não se mistura churrasco, salada de maionese, cerveja com canapés e champanhe importada? Mas pra “nóis”, aqui da periferia, tudo se aproveitava. Para o vovô, então, estava tudo nos conforme: de mesa em mesa, de copo em copo, ia se fartando para o resto do ano que ficaria vegetando. Ninguém se prontificou ou se lembrou de ficar de olho nele. O bicho “tava” solto...
Falando em bicho, entrava em cena, uma cachorrinha poodle, “bichinho-filha-caçula” da minha tia. Presente de uma dessas madames falidas que se tornou a sua personal de etiquetas, preparadora para fins de bons modos e comportamento, dentro das grandes rodas de gente chique. Essa pequena criatura, a cachorra, não se entendia muito bem com o nosso vovô; ou seja, eles não se cheiravam, era recíproco o desafeto. A Antonieta, nome da dita cuja, quando farejava, no ar, aquele velho reclamão, mostrava os dentes, fazendo lembrança ao humorista Tom Cavalcante quando está interpretando uma careta de choro (Quem já viu?). E o vô? Fazia a mesma... a mesma careta! Era necessário intervir na situação, separá-los de recinto. Até este detalhe fora esquecido, pois a poodle, toda empinada com seu penteado última moda do mundo “cão-fofo”, era uma das convidadas especiais...
Então... meu velho vô, depois de se empapuçar de tudo, satisfeito e vingado, sentado de pança estufada ao banquete ainda quente, desabotoou o terno e a camisa, afrouxou a gravata, tirou os sapatos debaixo da mesa, o par de dentaduras (este, recheado, entre os dentes, de todas as iguarias proibidas pelo doutor, vestígio de um crime que não fora perfeito) e, depois de escondê-lo sob o guardanapo, descalço mesmo, resolveu ir fazer um pipi, para aliviar-se da cerveja.
Enquanto isto, Antonieta, saiu do colo da dona, que estava entretida com alguns convidados da ala chique, e resolveu dar um passeio pelo ambiente. Ainda não tinha sentido a presença do inimigo, talvez o perfume o bem disfarçara. Pulou em cima daquela mesa enorme, que se estendia de um lado a outro do salão, e desfilou com seu andar “salto-alto”, farejando algo interessante, debaixo de um determinado guardanapo. Cheiro de churrasco, oba! Abocanhou o par de dentaduras!
Vovô, por sua vez, aliviado, sorridente sem dente, e pronto pra outra, voltava pro seu assento. Buscou a “chapa”, nada... Procurou-a pelo chão, debaixo da mesa... A cadela degustava um osso que parecia... “Minha dentadura!”, gritou estupefato. Os convidados, que até então, estavam tão envolvidos com a boca livre, tantos os “altos” quantos os “baixos”, voltaram-se para a treita: A cachorra rosnava com uma das dentaduras na boca e o vô a cercava pelos cantos, maldizendo-a... Os parentes foram tentando contornar a situação.(titia foi dando chilique) Pega daqui, pega dali... O bicho pelo salão, fazendo o vô de bobinho, parecendo que zombava dele, com dentes postiços... Era garçom tropeçando (flash, flash e mais flash), mesa tombando, cachorro debaixo de vestido longo, madames dando gritinhos (titia pedindo pelo amor Deus) (flash, flash e mais flash), noivo e noiva fugindo para o escurinho, vovô tirando a cinta: vem cá seu cão do inferno!, molecada se divertindo, poodle dando olé, saltitando de colo em colo (titia descendo do salto), Antonieta, nosso Tom Cavalcante de rabo pomposo, rosnando e sorrindo para o cerco entorno dela, meu vô banguela perdendo as calças no meio de todo mundo... (flash, flash e mais flash). Enfim, terminada a bagunça, estipulado o prejuízo, limpada a sujeira, comentado e abafado o ocorrido, vovô voltou pro castigo e o fuzuê era assunto na coluna social: “CAVIAR AO MOLHO POODLE”. A foto (flash!) de Antonieta, com um sorriso familiar nos lábios, banhada em caviar, estava estampada na página tanto almejada pela titia.