A peixinha

Cismou de comprar um peixe. Foi à loja e acabou comprando dois. Não dava para saber quem era macho, quem era fêmea no cardume da loja. Tentou a sorte para levar um casal. Não sabia... Comprou pedrinhas, plantinhas artificiais e um pote de comida sabor camarão. Chique! Passou um dia de vai e vem de peixes, comida de manhã (duas bolinhas sabor camarão) e a tarde. Deus me livre comer só duas vezes por dia, mas tudo bem. O vendedor da loja disse que era assim. Passou outro dia de vai e vem de peixes, comida de manhã (duas bolinhas sabor camarão) e a tarde. No terceiro dia, tudo começou a mudar. Os peixes começaram a se estranhar. Começou a estranhar também. Tudo indicava que era um casal realmente... Um dos dois era realmente mal. Passava o dia correndo (leia-se nadando) atrás do outro. No quarto dia o peixe vítima já estava todo machucado. Pensou em voltar na loja e perguntar ao vendedor se era comum. E fez. Era comum sim. Tem pessoas que têm sorte de comprar peixes que não brigam. Ou seja, além de ser um azarado, não tinha o que fazer, o jeito era esperar para ver se iriam se adaptar. Mais um dia e nada. Resolveu colocar um nome em cada um, apesar de não ter muita habilidade para isso. Romeu e Julieta. Não. Tico e Teca. Não, são esquilos e não peixes. Bernardo e Bianca. Também não, são ratos e não peixes. Glorinha e Tarcísio. Mas esses não brigam. Ficou o Ele e a Ela. Pronto. É óbvio que a vítima era Ele!!!!! Ela era muito má. Ele começou a ficar doente. Já não tinha forças para correr (nadar) para fugir de Ela. Voltou ao vendedor e perguntou o que podia fazer nesse caso em que Ele estava ficando doente, fraco e logo ia morrer. Perguntou mais para saber se tinha alguma garantia, ou seja, já que um dos peixes iria morrer, será que não conseguiria outro? Mas não ouviu nada além da conhecida frase de que o jeito era esperar. Quase perguntou o que deveria fazer se Ele morresse, mas pensou rápido e imaginou que a resposta seria: enterra. As brigas acabaram. Talvez não tivesse mais graça para Ela. Ele ficava quieto, entre uma plantinha artificial e outra. Mal comia. Um amigo deu a brilhante idéia de lavar o aquário todo, para dar uma renovada no ambiente e quem sabe assim, as coisas mudarem, e tal. E assim foi feito. Claro que o amigo deu a idéia e foi embora. Aí veio a parte podre (isso mesmo). Que cheiro horrível. Quase voltou no vendedor para perguntar se era normal aquele fedor de peixe podre. Mas esse já estava começar a ser hostil. Trabalheira... E olha que o aquário era pequeno. Tampa nariz, tira peixe com peneira, coloca em outro recipiente, tira planta de plástico, tira pedrinhas... Lava aquário, lava planta, lava pedra. Será que tem que lavar os peixes? Ele, por sinal, estava todo descamado (se é que existe essa palavra). Ia perguntar se isso era... bem, deixa para lá... coloca tudo de volta. Vontade de jogar tudo e pronto. Mas não, tem que colocar as pedras, as plantas, a água e por último os peixes. Trabalheira. Ele agora é que não se mexia mesmo. Bateu no vidro para ver se Ele se mexia... nada... xiiiiiiiii será que morreu? Não. Mexeu a nadadeira traseira (nossa! Perfeito) será que peixe fecha os olhos? Aqueles não. Senão era mais fácil saber quando morreu. Ela parecia que estava feliz da vida. Andava (nadava) de um lado para o outro no aquário. Parecia a mocinha no final do filme. Dever cumprido, agora era só curtir. Talvez nem visse mais Ele no aquário. Malvada. Escolhera logo uma peixa má!!!! Um outro amigo teve a brilhante idéia de colocar remédio na água. Quem sabe Ele melhorasse? Assim fez. Jogou um pouquinho (dose para peixe) na água de antibiótico. Esfarelou um comprimido. Nada. Jogou mais. nada... não jogou mais. talvez demorasse para fazer efeito. Como já era tarde, fez uma oração por Ele e foi deitar. Ele pareceu agradecido até. Ela chegou a provar um farelo do comprimido mas cuspiu. Do jeito que era malvada era capaz de comer tudo só para Ele não melhorar. No outro dia, a triste notícia. Ele morreu. Não estava de olhos fechados, mas estava morto sim. Boiava... que cena triste. O pior de tudo é ver a dedicação por água abaixo. Ela fingia que nada estava acontecendo. Chegou a colocar a boca pra fora da água pedindo comida. Malvada, não fez nenhum minuto de luto. Devia estar feliz da vida porque agora ia ter um aquário só para ela. Outro amigo (esses amigos e suas idéias) sugeriu jogar Ele no vaso sanitário e dar descarga. Quanta gente (e animais) malvada existe nesse mundo. Ele tem alma ué! Existe um céu só de peixinhos. Foi feito um velório, simples mas teve. Ele foi colocado numa caixinha de fósforos previamente esvaziada e forrada com um guardanapo. Uma oração de adeus. Por fim, ele foi enterrado no jardim do prédio. O porteiro ainda perguntou o que estava sendo plantado mas foi melhor não falar a verdade. Semente de abacate, quem sabe dá? Ela parecia mais feliz do que nunca. Corria (nadava) para lá e para cá. Colocava a cabeça para o lado de fora como se fosse pular. Só por causa de sua maldade, a vontade era de só dar comida uma vez naquele dia. Algum luto Ela teria que fazer por Ele... mas não o fez. Passados alguns dias, começou a se apegar a Ela. Coitada, era só uma peixinha. Quase foi ao vendedor contar que Ele tinha morrido mas desistiu. Ia insistir para colocar outro no lugar de Ele com a maior frieza do mundo. Ainda mais que Ela estava feliz da vida agora. Ficaria só com Ela mesmo. Era um trabalho a menos na hora de limpar o aquário. Dois dias depois da morte de Ele, Ela começou a ficar quita. Já não nadava tanto. Só subia para pegar a comida e voltava para o fundo. Poderia dizer até que estava cabisbaixa se não fosse uma peixinha. Será que estava começando a ficar triste? Ou será que sempre esteve triste e aquela correria (nadaderia) toda era só um sinal de tristeza? Amanhã mesmo iria comprar outro companheiro para Ela. Mas não deu naquele dia. Iria no outro, com certeza, logo cedo. Mas logo cedo, Ela acordou morta. Ops! Amanheceu morta.... que choque! Como aquilo poderia ter acontecido? Parecia tão feliz! Ninguém sabe interpretar o sentimento de ninguém, ainda mais de dois peixinhos. Se tivesse ido no vendedor perguntar se tudo era normal, talvez nada daquilo tivesse acontecido. Ela se fora... agora, só restava um aquário cheio de pedras e plantas artificiais. Deixaria assim. Peixes, em aquários, nunca mais. Só fritos, assados ou na moqueca pois não dá tempo de se apegar durante o preparo da receita.

Liz Hardt
Enviado por Liz Hardt em 14/02/2008
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