Um dia quente

A semana inteira passou e para todos os dias fui testemunha de manhãs de sol e tardes quentes. Para um mulher solteira e beirando os 60 anos, dias como esses só pioram os calores. Sessenta anos e parece que ainda ontem gozava dos meus vinte anos e peitos duros, que agora flácidos preciso massagiar todos os dias à procura dos tais caroços; Maldita doença.

Então chega o Sábado e chove; Chega o Sábado, então feira. Banca por banca arrastando meu carrinho e segurando um guarda-chuva, torna a tarefa ainda mais chata. “Olha a beterraba, dona Santa, tá novinha...”, “é aqui, é aqui que tá barato dona Santa, alface novinha....vamo levar”; Essa gente grita demais, se eu quero beterraba, eu compro beterraba, se não quero não adianta berrar. Ou será que eu deveria também ter berrado mais na vida? Ter sido menos santa? Talvez não estivesse só. Talvez meu apartamento fosse de dois quartos, com uma cozinha grande para receber os netos e filhos e uma cama de casal com um marido velho e doente para cuidar. Sei lá, acho que ser santa é ter família para dar conta.

E a chuvinha vai caindo e molhando meus peitos. Guarda-chuva de merda, não guarda nada. Já tenho quase tudo comprado só falta chuchu, onde fica? Ah, lá na banca do seu Toco...seu Toco, nunca soube porque chamam ele assim. “Tá tudo novinho dona Santa, pode escolher...”. É vou escolher, ao mesmo isto eu posso escolher. Sempre escolhendo as verduras, as roupas para vestir, os livros para ler, minha mãe sempre dizia que eu ia ficar cega de tanto ler. “Porque não vai ao baile com suas irmãs? Vê se arruma um marido”. Nunca ouvia direito, aquilo ao final parecia um alarido. O problema é que nunca me escolheram, nunca fizeram a opção por mim. “Aqui está, seu Toco, meio quilo de chuchu”. As vezes aquele ditado que diz que, “quem fala o que quer, ouve o que não quer”, é a mais pura verdade. Enquanto separava o pagamento do chuchu, me ocorreu sanar minha curiosidade fútil e saber o porque daquele apelido. “Seu Toco, porque esse apelido que lhe deram?”. O homem no alge de seus 50 anos, aparentemente, com aquela camisa aberta que dava para ver que mais parecia um macaco do que gente, pegou nos seus bagos e com a mão bem cheia e sem cerimônia disse “não sei não dona Santa, o povo fala demais”.

Aquele homem deveria ter vergonha de fazer uma pilhéria de tão mau-gosto com uma senhora, deveria ser preso. Fiquei muda, sem palavras e com o dinheiro na mão. Tem coisas na nossa vida que demoram tanto acontecer; Olhei para seu Toco e disse meio sem pensar, “seu Toco acho que não vou levar esse chuchu não, ele tá meio sem graça”; “O que vai ser então dona Santa?”; Olhei para o safado que ainda segura os bagos e disse, “vê pra mim meio quilo de cenoura, mas dessas ai, bem grossas”.

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Domm Paulo
Enviado por Domm Paulo em 22/01/2008
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