A lenda (inventada) de St. António e o cadeado.
Longo e sinuoso parece ser o caminho de quem procura a felicidade. Quantas vezes se procura sem que se perceba que a mesma caminhou ao nosso lado, sem que disso déssemos conta.
Naquele dia, tudo era novo. Do túnel de onde saíam deram de caras com a luzes de uma cidade, nova, estranha. Como se de uma nova dimensão se tratasse, perfuraram a noite em espanto, dos seus olhos irradiava a luz de um amor, quem sabe de um novo "dia".
Por entre as gentes daquela cidade, deslumbrados com a sensação de liberdade e plenitude, aceitavam os encontrões e desvios da multidão que os cercava em meio de gargalhadas e palavras soltas. Aos seus pés brilhavam os passeios e reflexos de tanta emoção que por eles passava, a descoberta penteava os seus cabelos como uma brisa suave e perfumada, mas era no olhar silencioso que entre eles trocavam que sentiam o pulsar do coração, a verdade, a inegável verdade de que tal como o vento não avisa onde vai soprar, assim o amor não avisa onde vai poisar.
De mãos dadas atravessaram ruas, passeios, praças. atravessavam tempos idos passados históricos e longínquos, enquanto que à sua frente se abriram campos e caminhos iluminados de esperança... um vislumbre do porvir. De olhares maravilhados, preenchiam o ar que os rodeava. As janelas iluminadas dos prédios que os cercavam pareciam fazer o convite para que um dia, também eles acendessem e iluminassem uma janela... sonhavam secretamente o mesmo sonho e silenciosamente passavam o desejo e a vontade de um para o outro numa corrente de alegria eletrizante. Ali nas ruas frias da cidade, sentiram os seu corações mais quentes e vivos como nunca lhes tinha sido permitido sentir. Perdidos no encontro que sentiam, deixaram-se levar pelos próprios pés, pelos sons e luzes que tanto os seduzia como indicavam o caminho... e tudo isto viviam, perdendo a noção que a vida acontecia. Que a vida é viva e que acontece quando a ela cada um se entrega.
Foi apenas quando chegaram à ponte que perceberam que aquela era "a" ponte que há tanto sabiam que iriam ter que atravessar. Nem sempre a vida prepara avisos, alertas e tabuletas indicadoras do caminho. Por vezes ela apenas desenrola o caminho de forma tão natural e intuitiva que parecemos um barco a fluir num rio calmo sem fim. Sob a ponte que por eles esperava, fluía um caudal escuro e forte, mas era a ponte que os guiava!
"Quer comprar?" ouviram?
Na mão de um vendedor de rua, estava um cadeado, o último cadeado do dia. Era premente que o vendesse, mas não o tinha escolhido. Era hora de ir para casa... o vendedor para a sua, que as mãos já pouco se mexiam do frio que sentia, e eles para a "sua"... a sua casa, a que os esperava na outra "margem". Pouco importava o comprimento da Ponte....
Sem ajuda de palavra algumas, ele comprou o cadeado,
Ela Sorriu.
A promessa foi feita num silencio que aveludado os abraçou. Posto e trancado o cadeado na grades já tão sobrecarregadas da ponte vida, seguiram.... atravessaram a ponte.
Na manhã seguinte, com a mesma vontade de viver e descobrir, ambos faziam a mesma pergunta:
"Eu tenho a minha chave do cadeado, tu tens a tua. O fazemos á terceira chave?"
"Não te preocupes... algum sitio será escolhido pelo caminho. Nós vamos saber, confia".
Ao virar da esquina, uma capela. A sua entrada decorada com rosas de Santa Teresinha.
Entraram.
De novo se deixaram levar pelos seus passos, dois a dois, duas mãos, dois corações, repararam que de olhos postos neles, Santo António os chamava.
E foi ali, ali mesmo que decidiram entregar a chave. Primeiro colocaram a chave aos pés do santo, e foi quando cada um acendeu a sua vela, no sagrado ambiente à meia luz, que perceberam que por baixo dos pés do santo, havia uma fenda... um cantinho onde na perfeição caberia uma chave.
Debaixo dos pés de Santo António, consagrada que estava a promessa, guardada e escondida que estava a chave, cedida estava a bênção.
De mãos dadas, sorriram e saíram. Sabiam que a menos que o templo ruísse, a menos que o Santo fugisse, jamais o cadeado seria aberto, jamais o seu amor acabaria.
Eis então como manter um amor intemporal.
Tirado de um conto.
Ventos Sábios - Ruth Collaço (R)