O lago

Preciso voltar à tona antes que perca meus sentidos. Nesse azul amplo e cristalino inundado de silêncio fico ouvindo o ritmo abafado das batidas de um coração e mergulho cada vez mais fundo. E enquanto meu corpo submerso desce, meus ouvidos sentem a pressão; Ainda não vejo o leito lá embaixo – apenas o nada e o sentir de espectros que me observam ademais das sombras.

Ainda tenho fôlego para nadar até a superfície e voltar a segurança do pier. Agora lembro quando estava lá; Observava a refração da luz que se perdia infinitamente para o fundo, sem medo e em linha reta. Meus pensamentos mergulhavam na sedução daquela luz que se precipitava para o desconhecido, sem desvios, sem hesitação, ávida de vontade. Aquele reflexo me fez lembrar, minha mãe e eu, ainda menininha, ela prendendo os lindos cabelos para não molhá-los, dizendo com zelo: “cuidado Marié, fique nadando no rasinho, que é mais seguro”; Se houvesse lembrado de minha mãe antes do mergulho, talvez não fosse hipnotizada pela beleza daquele plácido lago – afogo-me nele.

É engraçado que neste instante que sou mulher, esqueço a conduta que sempre me preservou dos perigos. Por tantas vezes banhei-me em outros lagos, serenos e belos como este, mas sempre me mantive nas partes rasas, na superficialidade segura das águas, até este dia; Caminhei pelo pier até o ponto mais avançado e de lá inclinei-me para ver o meu próprio reflexo. O tempo havia passado rápido demais e no meu rosto nem mais um sinal da menininha insegura e frágil que fui. Vi, ainda ofuscada com lembranças, se espalhando em águas azuis, a beleza sedutora daquele lago, e percebi de alguma forma que não sei, que havia reciprocidade nesse encantamento, como se ele desejasse conhecer as profundezas de minha alma tanto quanto eu desejava me perder em sua imensidão. - “Marié, és bela e não sei de ti nada além de teus lindos olhos e os beijos que deitei aos teus pés”, disse-me a luz refrada nas águas; Então mergulhei.

Sinto minha alma completamente abraçada pela paz e pelo prazer de ser absorvida por algo novo. É como se eu fizesse parte daquele todo e vice-versa, como se tudo aquilo que eu ainda não conhecia fizesse parte de mim. Mas é preciso voltar à tona agora antes que eu perca os sentidos; Ainda não tenho certeza se esse lago tem fundo ou seu leito faz sob os domínios eternos de Plutão; Preciso voltar à superfície para tomar fôlego; Deixo as sombras para depois, antes que eu perca a lucidez, pois por maior que seja meu amor e meu desejo de descobrir o que se esconde dos meus olhos, é preciso resgardar o meu particular do todo. E vejo agora a luz do sol sobre minha cabeça, na tona d'água, mas antes de emergir ouço um lamento vindo do fundo, uma batida ritmada e abafada que julguei ser um coração, como se eu tivesse deixado algum sentimento de partida.

Domm Paulo
Enviado por Domm Paulo em 21/01/2008
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