Sinos do Lamento - BVIW
- Tocou. Tenho certeza que ouvi ontem à noite.
Liduína repetia quase todo dia a mesma conversa para seu pai, Robson, tentando trazer a alegria perdida há uns trinta anos.
O homem nem se mexia na cama. Preferia ficar na mesma posição dos últimos anos. A mulher de Robson morreu sem ver o marido desgrudar do passado.
O aniversário de oitenta anos de Robson se aproximava. Trazia memórias dispersas. Inclusive a de seu Fernandes, seu pai, que morreu na mesma idade, sem reconhecer sua paternidade.
Robson, criado como filho bastardo, fez um pedido ao pai quando este estava à beira da morte. Queria o nome dele na certidão. A resposta, sarcástica, foi de que só se os sinos do Lamento tocassem a tal música que os ancestrais falavam.
Lamento era um morro perto da fazenda de seu Fernandes. Os mais antigos acreditavam que se alguém se arrependesse de um erro, o sino da capela ia tocar um gemido de lamento, sem ninguém mexer nele. O filho não reconhecido esperava que o arrependimento do pai disparasse o sino.
Um dia antes do aniversário de Robson, Liduína desistiu de esperar o arrependimento do avô. Contratou uma pessoa para tocar o sino e colocar o som de um gemido bem alto na radiadora da fazenda.
O pai amanheceu com um sorriso. Foi a última parte do seu corpo, enrijecido, a descansar.