Pela honra de Solanginha - BVIW

Júnia não tinha a menor ideia de onde esconder a dentadura quebrada da vó. A mãe, Solange, avisou diversas vezes para não mexer em nada, porque dona Niná gostava de tudo no mesmo canto. Era assim desde que a mãe ainda era a Solanginha querida, a mais certinha dos quatro filhos de Niná e Geraldo.

O desespero de Júnia era saber que a octogenária Niná ainda alimentava a imagem da filha-perfeita: criança calma, esposa exemplar, mãe primorosa na educação dos filhos. Só que havia escapado de Solange a possibilidade de a filha de oito anos surrupiar a dentadura da vó que, à noite, ficava em um copo com água, em cima da geladeira. A menina queria ver se cabia na boca de Bolotoso, o vira-lata caramelo que foi junto passar o feriadão.

A menina levantou cedinho para aproveitar o terreno enorme do sítio dos avós. Ninguém viu Júnia enfiando a dentadura na boca de Bolotoso para tirar selfie com ele. Nem escutaram o “crec” daquela peça cheia de dentes que garantia o sorriso e a mastigação de dona Niná.

Depois de forçar a imaginação buscando alguma ideia que tivesse assistido em desenhos animados no tablet, Júnia retornou para a casa. Os dois pedaços da dentadura guardados no bolso do short. Esperou uma distração da cozinheira e escondeu o objeto-vítima do crime atrás da porta.

Rapidinho, a cozinha ficou cheia com seus irmãos, pais, tios e avós. Dona Niná foi direto para a geladeira, pegar os tão caros dentes. Antes da idosa esticar a mão, todos se assustaram com os gritos de Júnia: um rato, um rato enorme.

O pai de Júnia pegou a vassoura. Remexeu em tudo. Quando olhou atrás da porta, viu a desgraça. O dentuço havia impossibilitado, por algum tempo, o sorriso de Niná. Dividindo o segredo apenas com Bolotoso, Júnia se sentia aliviada por ter garantido que a boa imagem de Solanginha continuaria intocável.