A Solidão do Poeta
Ele se encontrava acompanhado apenas de sua velha máquina de escrever, como sempre, isso acontecia ha anos. Não entendia como, com tanto sentimento destilado em poesias tão belas, já reconhecidas em várias edições de tantos livros, ainda não tinha conhecido aquele amor de que falava com tanta propriedade em seus versos, na sua própria vida. Dava-se por satisfeito em viver os grandes amores apenas em seus textos, em personagens nos quais mergulhava profundamente...
Uma grande editora encomendara-lhe um romance, de acordo com um roteiro pré-estabelecido. Aceitou o desafio com uma condição: que tivesse ampla liberdade de criação, quanto à tipologia dos personagens, época e à pesquisa necessária para a tarefa literária.
A editora mandou-lhe uma assistente para auxiliá-lo no que precisasse, principalmente durante a viagem à Bahia, onde transcorria a maior parte da história. Seu nome era Isabella e mais parecia uma personagem saída dos seus poemas. Movia-se com a elegância de uma princesa e sua voz trazia paz ao coração do poeta.
Ele estava confuso. Pois nunca antes tivera experiência alguma com aqueles sentimentos, a não ser nas linhas de seus textos. Mas ele estava sentindo na pele tudo o que por várias vezes havia colocado no papel. Quando Isabella, sem querer esbarrava em sua mão ao lhe passar algumas anotações, sentia seu sangue pulsar fortemente, o coração batia descompassado. Nessas horas lembrava-se sempre de algum personagem de seus romances. Num certo momento quase se esqueceu da realidade. Estava pronto a agir como o personagem, pronto a agarrá-la...
Salvador, a capital da Bahia, oferecia um cenário intrigante, mas ao mesmo tempo despertava as entranhas adormecidas do escritor, um virgem em matéria de cortejar uma mulher, quanto mais em proporcionar e receber prazer. Mas o clima da cidade, o mar, as praias, a mistura exótica das raças, a alegria do povo, a cultura exuberante, o gingado dos homens e o rebolado das mulheres o deixavam excitado e aguçavam seu espírito criador. E as coisas da “pele”, a tal química de que tanto falam os apaixonados?
Tais sensações tomavam conta do escritor naquele instante em que esqueceu a realidade e ele estava prestes a agarrar Isabella, quando ia passando o Bloco dos Filhos de Gandhi, com seus componentes vestidos de branco, turbantes na cabeça e os instrumentos de percussão, cujo som lembrava ao poeta. Os seus instintos primordiais, a voz primitiva da mãe natureza que aos poucos tomava conta de todo o seu ser.
Ele aproximou-se de Isabella, que não fugiu ao seu contato. Bocas, línguas, salivas alucinadas misturavam-se em beijos apaixonados... Carícias loucas o consumiam de prazer.
Ao procurar a parte mais sedutora de Isabella, um susto... Um volume freou seus instintos. Afastou-se assustado...
Isabella disse-lhe então, que nascera hermafrodita e aguardava angariar mais algum dinheiro, quando faria a cirurgia para definitivamente sentir-se mulher.
Passado o primeiro impacto, ele pode viver, finalmente, todos os sentimentos que conhecia apenas no papel.
CRIAÇÃO: Diana Gonçalves,Marcelo Bancalero e Denise Severgnini