Cinderela do ônibus - BVIW

Quase todo dia a cena se repetia. Marília ia disfarçando até a sala onde Gustavo tinha aula e conferia se ele ainda estava lá. Sabia que era daqueles que assistia até o final, mas queria ter certeza. Do pátio da faculdade acelerava o passo até a parada de ônibus.

Se esticava a cada coletivo que vinha para fazer de conta que buscava um específico. Na verdade, esperava Gustavo, que sequer sabia que era aguardado. Distraído, o universitário não percebia a artimanha.

Marília tentava cronometrar o tempo do ônibus que tinha um itinerário conveniente para os dois, com as passadas de Gustavo atravessando a rua. Quando achava que daria certo, entrava e esperava por ele. Quando tinha dúvida, ficava na calçada e fingia não vê-lo.

O esforço era grande e o tempo curto: somente seis paradas até ele descer. Quando chegava à quinta freada do ônibus, pressionada pelo limite da próxima parada, fazia de tudo: tentava esbarrar o cotovelo, derrubar um livro, encostar a coxa na dele. Buscava o que fosse, com a discrição possível, que pudesse gerar conversa.

Depois que ele descia, Marília ainda percorria doze paradas até chegar ao seu apartamento. Dependendo do resultado das investidas, se sentia frustrada ou estimulada. Mesmo não se permitindo desanimar, as disciplinas em horários diferentes foram impedindo a estratégia. Não era o mesmo tentar se aproximar dele no pátio. Os colegas iam perceber.

No semestre seguinte, sem muito jeito para tatear discretamente uma aproximação, Gustavo convidou, de supetão, Marília para uma festa. O beijo aconteceu à meia noite. Ao invés do rastro do sapatinho de Cinderela, ele disse ter seguido a saudade de não ver mais aquela menina estranha que sempre esbarrava nele dentro do ônibus.