FEZINHA 2

 


Dormiu preocupado com a situação financeira, pois estava atolado em dívidas. Sonhou com sua mãe a fazer-lhe uma canja, como nos tempos de criança, quando não tinha estas preocupações.
Seu pai trabalhava numa empresa de seguros, e sua mãe ajudava a casa fazendo roupas, cortinas, tapetes e babados de crochê sob encomenda. O dinheiro era razoavelmente bom, pra quem sustentava sete filhos.

Acordou... E caiu na dura realidade. Ele se recordou do sonho: aquela figurava acalentadora de sua avó tirando biscoitos de gengibre do forno, sua mãe brigando para não comer quente, porque fazia mal, e seus irmãos, dividindo a comida. Chegou a sentir o aroma dos biscoitos quando levantou da cama.
Sua situação não era boa: fora um grande bolsista, e ganhou milhões, milhões e milhões nas ações de fábrica de fitas K-7; mas, como os tempos são outros, as ações despencaram. E aí, começou a cair numa enorme miséria, até que hipotecou a casa, e gastou todos os seus tostões. Sua esposa lhe abandonou e levou consigo seus dois filhos. Ela nunca mais apareceu. E ele também nunca mais a procurou. Soube alguma coisa dela por amigos comuns, mas também não se interessou muito. Estava mais preocupado com sua situação.
Levantou-se, tomou seu café, tomou banho, vestiu a única roupa limpa que tinha. Precisava lavar as poucas outras peças para poder trocar! E saiu para a rua.
Era um dia de sol! Ainda bem! A chuva deixava-o mais desanimado! Passa na frente de uma lotérica e vê uma enorme fila. Curioso, pergunta a uma das pessoas a razão, e ela lhe diz que a mega-sena está acumulada em uns 300 milhões. Tudo isso?
Põe a mão no bolso. Uns míseros trocados! Mas dá para fazer uma fezinha.
Ao entrar na lotérica, ele achou um papel de aposta amassado em forma de bolinha, e resolveu apostar com aqueles números. Mas apostou como todo mundo: "- Ah, eu vou apostar, mas não vou ganhar mesmo... mas não posso deixar de apostar, senão não ganho nunca!"
Feita a aposta, continuou sua busca por trabalho. Visitava amigos que ignoravam sua existência. Outros tempos, outros tempos! Já não era mais o senhor milionário. Nada conseguindo, voltou para casa, pensativo e desiludido, com os homens, com o mundo e consigo mesmo.
O dia custava a passar. Hora do almoço. Ainda bem que tinha algo para comer. Já se arrependera de ter jogado, o dinheiro iria fazer-lhe falta.
Saiu de novo. Desta vez dirigiu-se para uma praça ali perto e lá ficou sentado num banco até o anoitecer. Quando a praça ficou vazia, foi para casa. Ao chegar, ligou a televisão. Estava ainda pensando no jogo feito. Geralmente ele só jogava no bicho. Tinha sempre um palpite no galo.  Mas depois que deixou de ganhar uma boa grana por ter interpretado mal um sonho com sua mãe, não quis mais saber de jogo. Mas quem sabe sua sorte havia mudado.
Estava ainda pensando nisso, quando ouve no noticiário da TV o repórter dizer o nome de sua cidade, São José dos Ausentes. Presta atenção. "Nesta pequena cidade do interior do RS, mora o feliz ganhador do prêmio acumulado da mega-sena". Ele não queria acreditar. Tinha que conferir. Onde pusera o comprovante? Procurou nos bolsos das calças. Não encontrou. Na carteira? Nada. Lembrou-se que trocara de camisa ao chegar a casa. No bolso da camisa. Ufa! Achou. Depressa, estavam repetindo os números: 12 - 15 - 21 - 29 - 37 - 48. Ao conferir o último número, ele desmaiou.


FIM

Criação: Denise Severgnini, Gabriel R. Betti, Marcelo Bancalero, Mardilê Fabre