À espera - BVIW
Pedro acordou mais cedo do que nunca. Tomou café, comeu pão com manteiga e ovos mexidos com queijo. Colocou uma camisa das que guardava para momentos especiais. Cheirou. Sentiu cheiro de mofo. Borrifou o resto de Seiva de Alfazema em cima dela.
Sentou no sofá, ligou a tv na sua série preferida. Os olhos passeavam entre a tela e a mesinha lateral. Nesta última, o aparelho de telefone fixo e o celular jaziam, paralelamente, à espera de que seus números fossem lembrados. Não tocaram a manhã inteira.
O verão o fez perceber que não abrira as janelas de vidro. Talvez pensasse que algum dos telefones logo o faria sair e passar a chave de quatro voltas na porta.
Reduziu o mofo da segunda camisa, almoçou junto com o telejornal do meio dia e emendou na sessão da tarde.
O anoitecer o pegou triste. Mais um dia, mais um vazio na jornada de ator. Seu personagem mais uma vez não havia sido escalado para a peça. Aquele era o 1.492º dia de espera de Pedro, desde que entrou em coma, vítima de uma viga que caiu justo na cabeça, quando encenava uma peça.
Na mente do belo adormecido, que não retornou após as várias cirurgias, a vida continuava. Só que com uma frustração que não conseguia entender.