Nas ondas da cidade - BVIW
Era uma vez, na cidade, um bairro que lutava para ser esquecido. Lá, nos anos 50, havia sido instalado o primeiro hospital psiquiátrico. Dois andares de vãos enormes, protegidos pelo mais alto muro da época.
Algumas denúncias de maus tratos chegavam à imprensa, mas nunca houve confirmação. A instituição durou trinta anos, e só parou de funcionar após o incêndio, que provocou uma fuga em massa, e a morte de pacientes e funcionários.
O bairro ganhou o apelido de “Bonde dos perdidos”, numa alusão ao fato de que cerca de dez por cento dos pacientes não foram recuperados.
Era difícil esquecer. O prédio continuava de pé, com o verde das heras teimando em subir. Neide, a única funcionária que ficou morando e cuidando do imóvel, era atenta para não deixar as plantas mudarem a fachada branca, com ondas azuis pintadas.
Não foi à toa que ela planejou a fuga junto com outros internos. Sonhava com o dia em que poderia surfar, sem ninguém saber, por aquelas ondas gigantes. A roupa de surfista ficava escondida. A que usava como paciente queimou no incêndio.