Frestas de vida - BVIW
Aquela fresta na janela era o escorregador de lágrimas de Anita. Da pequena parte do parapeito, escondida, ela via os da rua, mas ninguém via a menina.
Era um corredor de curiosidade para olhos que imaginavam em que tipo de moça havia se transformado a menina que tinha o estranho hábito de subir em todas as árvores da cidade.
Desde os seis anos, quando começou a frequentar a escola da pequena cidade de Radacán, Anita subiu em mangueiras, abacateiros, cajazeiras, coqueiros e tudo o mais que tivesse no caminho entre a casa e as aulas.
Quatro anos depois e centenas de árvores escaladas até o topo, a mãe desistiu: a menina ia ser alfabetizada em casa. E lá cresceu, de cadeados passados. Só dona Neuma, a professora, entrava lá. Teve que jurar não falar nada sobre a estranha menina, conhecida pelos radacanenses por bicho de planta.
No dia dos 15 anos de Anita, a fresta da janela amanheceu tomada por um galho que saía de dentro do quarto. A menina, que havia aceito ficar prostrada em casa em troca de nunca ninguém entrar no quarto dela, havia plantado uma árvore.
Os galhos procuravam a nesga de sol que entrava pela fresta. E Anita agora ia fugir usando esses braços da natureza.