Tela d’olhos - BVIW
Todos os dias, Tereza apressava os passos para terminar logo o café, corria para esquentar a marmita e garantir a comida pelo menos morna até a hora do almoço, quase voava para não perder o ônibus. No trabalho, atendia, ligeirinha, às demandas do chefe agitado. Com estas pressões já havia se acostumado.
Mas, em dois momentos do dia, a pressa era nervosa e vinha com suores, fazia as mãos parecerem roupas torcidas. Estes instantes de tortura sempre aconteciam entre a porta do apartamento em que morava e a escada que separava o térreo do primeiro andar.
Nos últimos cinco anos, desde que a nova vizinha, Dora, mudou para lá havia sido assim. Sair e chegar à casa eram como andar de olhos fechados em uma ponte estreita, com abismo dos dois lados. Só sentia que estava segura quando ultrapassava aqueles olhos que não despregavam dela, que a seguiam na descida e na subida da escada.
A vizinha morava justo no apartamento defronte à escada. Teresa pensou em ir até lá e dizer que religião era coisa de cada um, que era melhor guardar aquele tipo de objeto dentro de casa. Mas, para isso, precisava de coragem de parar na porta e ficar justo perto do olhar perseguidor. Cadê coragem?
Até que um dia, seu maior medo aconteceu. Acordou com aqueles olhos vigiando o sono dela. No escuro, se destacava, além dos olhos, o brilho do vidro da tela onde a imagem ficava guardada. Puxou o lençol para cobrir o rosto. Segundos depois tirou o pano. A tela continuava lá. Só acordou do pesadelo horas depois, quando o despertador do celular a libertou.
Decidiu que aquele era o limite. Depois de descer as escadas correndo de medo, contratou o zelador do prédio para ser parceiro do crime. Acertaram que a tela ia desaparecer e o roubo seria atribuída a uma pessoa que veio olhar um apartamento para alugar, fanática de outra religião.
Naquele dia, após cinco anos de litros perdidos de suor, Teresa subiu a escada como uma lady, pezinho por pezinho. A tela – de um anjo mal pintado, com olhos 3D, que se mexiam de acordo com o movimento de quem passava -, jamais apressaria seus passos novamente.