O presente atrasado
O Natal passou e eu contabilizava os prejuízos: enormes contas a pagar. Onde andaria mesmo esse tal Espírito de Natal? Ouço batidas na porta...
"Mais um cobrador", pensei eu.
Caminho lentamente. Espio pelo olho mágico, uma figura encanecida sorri.
Abro a porta sem receio... Pois se tratava da minha vizinha do andar de baixo, Dona Cotinha. Uma graciosa velhinha de uns 70 anos. Ela chegou pra me fazer um relato... Tudo bem, eu conserto... Fazer uma fofoca! Sobre a vizinha do 4º andar...
Enquanto atendia minha vizinha, olho a porta do elevador se abrir. E que surpresa! Era meu pai!
Meu pai abraça-me fortemente. Chegara de Paris ontem sem avisar-me. Ficamos os dois a nos olhar, matando as saudades. Afinal fazia seis meses que não nos víamos.
A seu lado, um enorme pacote...
Mas Dona Cotinha continuou, ignorando o momento entre eu e meu pai .
D. Cotinha contou-me que vira a jovem saindo de mãos dadas com um senhor de meia idade, já grisalho, que podia ser pai dela.
- Será que não era mesmo o pai dela? Pergunto para desviar a conversa. A boa senhora me olhou de soslaio...
-Como era ele, perguntei, tinha um ar bondoso, como de Papai Noel?... Não resisti à brincadeira, mas D. Cotinha assentiu com olhos arregalados:- -- era o próprio, a senhora o conhece? Agora sou eu que me espanto. -- não me diga que acredita no bom velhinho D. Cotinha... _Disse o próprio, por causa da barba branca que ele tinha. Mas é claro que acredito no Papai Noel, quer dizer... No símbolo que ele representa! Bem longe desse consumismo que virou o Natal!
Enquanto ela “filosofava” sobre as coisas do Natal, percebi que meu pai não estava mais ao meu lado, mas tinha se retirado para dentro do apartamento. Não entendi por que, meu pai era sempre o primeiro a querer entrar numa boa conversa. Assim que Dona Candinha terminou (quase uma hora depois), entrei para falar com papai, e perguntar por que me deixou sozinha com Dona Cotinha...
Fico abatido com o Natal... Sabe no meu tempo... E esticou um papo sobre como se deteriorou o Espírito do Natal... Mas venha, venha, vamos ver os presentes... Disse encaminhando-se para o pacote... Adorei cada presente. Tinha desde maravilhosas roupas européias e algumas jóias, um delicioso perfume francês.
Percebi que no fundo do pacote havia outro embrulho, que meu pai não me deu. Abaixei-me para pegar o tal embrulho, quando meu pai puxou bruscamente o pacote. Levei um susto! Perguntei o que era, mas ele desconversou. Disse que não era nada.
Algum tempo depois, meu pai foi se deitar. O fuso horário estava fazendo efeito. Esperei um tempo após ele adormecer, e não agüentei de curiosidade, fui ver o pacote, para descobrir esse mistério...
No pacote, havia um envelope e dentro dele resultados de exames que constatavam uma doença muito séria em meu pai.
Recoloquei tudo no lugar. Quanto tempo ainda restar-lhe-ia de vida?
Agora entendo por que ele entrara sorrateiramente. Viera ver-me. Para despedir-se? Para procurar consolo? Certamente ele sabe o que nos espera. E eu?
Ficarei só outra vez. Desde a morte de mamãe, meu pai foi minha única referência de família.
Filha única, órfão de mãe e agora? Serei órfã de pai também?
Que fazer? Digo a ele que sei de Tudo? Finjo ignorância? Preciso dedicar-lhe todo meu tempo disponível...
Por essa eu não esperava... O que ele estará pensando? Como conseguiu disfarçar tão bem? Então foi por isto que ele viajou? Para procurar recursos? Ele vai ter que me contar. Preciso saber detalhes para tomar providências. Hoje a medicina está tão adiantada... Deve haver uma saída...
Meu pai acordou, horas depois, já refeito da viagem. Após o jantar, sentamo-nos na varanda. Eu a observá-lo apreensiva. Ele com um olhar inquisidor. Segurava o dito embrulho em suas mãos. Antes que ele pudesse falar qualquer coisa, disse-lhe que o amava muito e que estaria sempre a seu lado.
Meu pai sorriu, e com voz calma falou:
_Tu abriste o envelope que tenho aqui dentro?Pensas que vou morrer?
Eu não sabia o que dizer, sentia-me envergonhada, como criança pega numa traquinagem.
_Engano teu, minha filha! Estavas tão apressada em descobrir meu segredo que não percebeste a data dos exames... Foi alarme falso. Eles foram trocados no hospital...
Eu não entendia se não estava doente por que viera tão de repente, sem aviso... É que ao crer que estava à morte compreendi que estar junto da família, mesmo pequena como a nossa é um enorme milagre e o verdadeiro renascer... Abraçamo-nos e esqueci-me completamente que havia contas a pagar, problemas a resolver... Olhando através da janela pareceu-me ouvir os guizos... Aproximei-me e contra a lua cheia senti... Juro pareceu-me ver entre as nuvens o rosto sorridente do Pai e o verdadeiro Espírito natalino...
Bateram em minha porta novamente. Fui ver quem era. Pois meu pai tinha dado uma saída. Era Dona Cotinha outra vez.
Chegou dessa vez toda eufórica. Tinha certeza de ter visto outro homem entrar na casa da vizinha do 4º andar, mas este estava sem barba.
Preciso esclarecer que Dona Cotinha usava óculos fundos de garrafa, de lentes tão grossas, que duvido, conseguisse distinguir homem de mulher. A não ser pela barba.
Como estava convencida de que ela estava enganada e queria provar, desci até o 4º andar, e juntas ficamos de plantão pra ver na hora que esse suposto homem saísse de quem se tratava. Ficamos ali por uns 20 minutos que pareceram horas, com aquela senhora me enlouquecendo de tanto falar.
De repente a porta da vizinha se abriu... Quando pude reconhecer o homem que saía abraçado com a vizinha, ainda consegui gritar, pouco antes de desmaiar;
_Papai?
D. Cotinha, porém era tarimbada e quis explicações, "dessa pouca vergonha!” Mas por que minha senhora, se eu sou viúvo e essa é minha nova esposa! Aliás, foi também por isso que vim... Falou enquanto acudia a filha.
Quando esta acordou perguntou a ele, o porquê de ter escondido isso dela.
Ele disse que aconteceu em Paris, o destino havia unido os dois durante a viagem. Ficou surpreso ontem ao vir para a casa dela depois de um baile de fantasias, e ver que se tratava do prédio da filha. Queria prepará-la antes querida, por isso não disse nada! Afinal... Ela tem idade para ser sua irmã...
_Papai, idade não tem problema!
_Estou de caso com o pai dela!
Criação - Marcelo Bancalero, Denise de Souza Severgnini, Mardilê Fabre, Vilma
O Natal passou e eu contabilizava os prejuízos: enormes contas a pagar. Onde andaria mesmo esse tal Espírito de Natal? Ouço batidas na porta...
"Mais um cobrador", pensei eu.
Caminho lentamente. Espio pelo olho mágico, uma figura encanecida sorri.
Abro a porta sem receio... Pois se tratava da minha vizinha do andar de baixo, Dona Cotinha. Uma graciosa velhinha de uns 70 anos. Ela chegou pra me fazer um relato... Tudo bem, eu conserto... Fazer uma fofoca! Sobre a vizinha do 4º andar...
Enquanto atendia minha vizinha, olho a porta do elevador se abrir. E que surpresa! Era meu pai!
Meu pai abraça-me fortemente. Chegara de Paris ontem sem avisar-me. Ficamos os dois a nos olhar, matando as saudades. Afinal fazia seis meses que não nos víamos.
A seu lado, um enorme pacote...
Mas Dona Cotinha continuou, ignorando o momento entre eu e meu pai .
D. Cotinha contou-me que vira a jovem saindo de mãos dadas com um senhor de meia idade, já grisalho, que podia ser pai dela.
- Será que não era mesmo o pai dela? Pergunto para desviar a conversa. A boa senhora me olhou de soslaio...
-Como era ele, perguntei, tinha um ar bondoso, como de Papai Noel?... Não resisti à brincadeira, mas D. Cotinha assentiu com olhos arregalados:- -- era o próprio, a senhora o conhece? Agora sou eu que me espanto. -- não me diga que acredita no bom velhinho D. Cotinha... _Disse o próprio, por causa da barba branca que ele tinha. Mas é claro que acredito no Papai Noel, quer dizer... No símbolo que ele representa! Bem longe desse consumismo que virou o Natal!
Enquanto ela “filosofava” sobre as coisas do Natal, percebi que meu pai não estava mais ao meu lado, mas tinha se retirado para dentro do apartamento. Não entendi por que, meu pai era sempre o primeiro a querer entrar numa boa conversa. Assim que Dona Candinha terminou (quase uma hora depois), entrei para falar com papai, e perguntar por que me deixou sozinha com Dona Cotinha...
Fico abatido com o Natal... Sabe no meu tempo... E esticou um papo sobre como se deteriorou o Espírito do Natal... Mas venha, venha, vamos ver os presentes... Disse encaminhando-se para o pacote... Adorei cada presente. Tinha desde maravilhosas roupas européias e algumas jóias, um delicioso perfume francês.
Percebi que no fundo do pacote havia outro embrulho, que meu pai não me deu. Abaixei-me para pegar o tal embrulho, quando meu pai puxou bruscamente o pacote. Levei um susto! Perguntei o que era, mas ele desconversou. Disse que não era nada.
Algum tempo depois, meu pai foi se deitar. O fuso horário estava fazendo efeito. Esperei um tempo após ele adormecer, e não agüentei de curiosidade, fui ver o pacote, para descobrir esse mistério...
No pacote, havia um envelope e dentro dele resultados de exames que constatavam uma doença muito séria em meu pai.
Recoloquei tudo no lugar. Quanto tempo ainda restar-lhe-ia de vida?
Agora entendo por que ele entrara sorrateiramente. Viera ver-me. Para despedir-se? Para procurar consolo? Certamente ele sabe o que nos espera. E eu?
Ficarei só outra vez. Desde a morte de mamãe, meu pai foi minha única referência de família.
Filha única, órfão de mãe e agora? Serei órfã de pai também?
Que fazer? Digo a ele que sei de Tudo? Finjo ignorância? Preciso dedicar-lhe todo meu tempo disponível...
Por essa eu não esperava... O que ele estará pensando? Como conseguiu disfarçar tão bem? Então foi por isto que ele viajou? Para procurar recursos? Ele vai ter que me contar. Preciso saber detalhes para tomar providências. Hoje a medicina está tão adiantada... Deve haver uma saída...
Meu pai acordou, horas depois, já refeito da viagem. Após o jantar, sentamo-nos na varanda. Eu a observá-lo apreensiva. Ele com um olhar inquisidor. Segurava o dito embrulho em suas mãos. Antes que ele pudesse falar qualquer coisa, disse-lhe que o amava muito e que estaria sempre a seu lado.
Meu pai sorriu, e com voz calma falou:
_Tu abriste o envelope que tenho aqui dentro?Pensas que vou morrer?
Eu não sabia o que dizer, sentia-me envergonhada, como criança pega numa traquinagem.
_Engano teu, minha filha! Estavas tão apressada em descobrir meu segredo que não percebeste a data dos exames... Foi alarme falso. Eles foram trocados no hospital...
Eu não entendia se não estava doente por que viera tão de repente, sem aviso... É que ao crer que estava à morte compreendi que estar junto da família, mesmo pequena como a nossa é um enorme milagre e o verdadeiro renascer... Abraçamo-nos e esqueci-me completamente que havia contas a pagar, problemas a resolver... Olhando através da janela pareceu-me ouvir os guizos... Aproximei-me e contra a lua cheia senti... Juro pareceu-me ver entre as nuvens o rosto sorridente do Pai e o verdadeiro Espírito natalino...
Bateram em minha porta novamente. Fui ver quem era. Pois meu pai tinha dado uma saída. Era Dona Cotinha outra vez.
Chegou dessa vez toda eufórica. Tinha certeza de ter visto outro homem entrar na casa da vizinha do 4º andar, mas este estava sem barba.
Preciso esclarecer que Dona Cotinha usava óculos fundos de garrafa, de lentes tão grossas, que duvido, conseguisse distinguir homem de mulher. A não ser pela barba.
Como estava convencida de que ela estava enganada e queria provar, desci até o 4º andar, e juntas ficamos de plantão pra ver na hora que esse suposto homem saísse de quem se tratava. Ficamos ali por uns 20 minutos que pareceram horas, com aquela senhora me enlouquecendo de tanto falar.
De repente a porta da vizinha se abriu... Quando pude reconhecer o homem que saía abraçado com a vizinha, ainda consegui gritar, pouco antes de desmaiar;
_Papai?
D. Cotinha, porém era tarimbada e quis explicações, "dessa pouca vergonha!” Mas por que minha senhora, se eu sou viúvo e essa é minha nova esposa! Aliás, foi também por isso que vim... Falou enquanto acudia a filha.
Quando esta acordou perguntou a ele, o porquê de ter escondido isso dela.
Ele disse que aconteceu em Paris, o destino havia unido os dois durante a viagem. Ficou surpreso ontem ao vir para a casa dela depois de um baile de fantasias, e ver que se tratava do prédio da filha. Queria prepará-la antes querida, por isso não disse nada! Afinal... Ela tem idade para ser sua irmã...
_Papai, idade não tem problema!
_Estou de caso com o pai dela!
Criação - Marcelo Bancalero, Denise de Souza Severgnini, Mardilê Fabre, Vilma