O Pescador de Ilusões
Edward saiu de encontro à tripulação do Destiny II e se preparou para zarpar. Olhou para o céu. A sua experiência de pescador lhe dizia que uma tempestade estava se aproximando, por isso subiu a bordo e conferiu se o mastro e as cordas estavam devidamente aprumados. Tendo feito a checagem, passou pela popa e se dirigiu até o convés para buscar seus equipamentos de navegação. Partiu dali direto para a ponte de comando e ajeitou a sua boina de capitão. Era um presente de sua querida Margareth, sua falecida esposa. Morreu em alto mar durante um ciclone tropical que quase lhe custou a própria vida e causou danos severos ao seu navio Destiny I, que precisou ser completamente reconstruído depois. Às vezes ele se perguntava: Aquele barco em que estava ainda era o mesmo de antigamente? Queria acreditar que sim, que tudo continuava igual, mas nenhuma crença ou superstição nesse mundo traria a sua amada de volta. Não, mesmo que ele juntasse pedaço por pedaço, madeira por madeira e unisse tudo de novo ao seu estado original, o seu coração permaneceria estilhaçado. Jamais seria o mesmo.
Lá da sua cabine gritou para os seus subordinados, para que içassem a vela e zarpassem. No horizonte podia ver as nuvens agourentas se aglutinando, e se perdeu em pensamentos. Queria ver sua amada de novo, nem que fosse pela última vez. Faria qualquer coisa, pagaria qualquer preço para tê-la de volta. Nunca deixaria de pensar sobre isso. Após subir a âncora, a embarcação começou a se mover com destino ao alto mar. As águas cinzentas daquele instante não refletiam a turbulência de seu coração revolto, e se encontravam por enquanto pacíficas, tal qual aquele dia há 15 anos atrás. Coincidentemente, fazia exatos 15 anos hoje desde o trágico incidente. Desta feita, consultou sua bússola e largou o timão para seu assistente, enquanto ia até o alojamento para ajudar a preparar as redes de pesca.
Os marujos pareciam bem dispostos, eram em sua maioria jovens, alegres e cheio de vigor. Lamentava a perda de sua juventude. Aquela companhia era o único conforto contra a sua impávida solidão. Quando voltou ao comando do navio se surpreendeu com a mudança repentina no clima. Não havia se passado tanto tempo assim para o firmamento ter se fechado daquele jeito. Apressou os seus subordinados para que jogassem suas redes e começassem o quanto antes, pois a tempestade era iminente. O seu coração se acelerou sem motivo aparente e ele começou a suar de nervoso. Sentiu um mal estar. Procurou um ponto de apoio na beira da cabine e se apoiou. Teve um grave pressentimento. Ao longe um risco luminoso dividiu o mundo ao meio, fazendo um recorte sinistro na realidade, e logo o poderoso retumbar de um trovão se alastrou assustando a todos. Voltou o olhar em direção a costa, mas já não via mais nada. Uma neblina repentinamente encobriu o barco e mal podia enxergar um palmo adiante. Habilmente, conhecendo cada centímetro daquela casa flutuante como a palma de sua mão, Edward acorreu seus companheiros descendo o mastro e deixando a embarcação inerte, guiada apenas por aquela correnteza abrupta. Todos estavam apreensivos, nunca viveram nada parecido antes. Não era natural. E em meio a burburinhos e conversas paralelas, ouviram um grito. Não, não se parecia com qualquer sonar ou com qualquer animal aquático que tivessem conhecimento. Era algo inusitadamente humano...
Uma forma escura surgiu da água e um dos novatos quase caiu no mar, sendo puxado bem no último instante por um de seus companheiros. Nenhum ser humano de fora que ouvisse a história acreditaria na figura terrível que se prostrava, ameaçadoramente, a sua frente. Aquele ser tinha forma humanoide da cintura para cima, com um aspecto úmido e escamas oleosas. Por baixo da água, avistavam-se tentáculos como os de um polvo gigante, que se mexiam sem parar, pareciam ter vida própria. Incrédulo e preocupado com a segurança dos demais, armou-se com uma vara de pesca, com anzol afiado na ponta, e se aproximou tentando parecer o mais intimidador que aquela situação o permitia ser. Porém, para a surpresa de todos, logo ele congelou, estático, suas forças se esvaíram abruptamente e ele largou a sua arma improvisada, prostrando-se de joelhos. Não era possível! Aquele rosto... Jamais se esqueceria dele. Margareth! Perdendo o senso de perigo, se inclinou para fora do navio pesqueiro e estendeu os braços abertos em direção àquela criatura bizarra que o encarava com olhos tristes, e expressão indecifrável. Quando estava quase no limite a fim de desequilibrar-se, o ser marinho se moveu. Ergue-se da água e com o impulso de seus tentáculos, e se apoiou na extremidade da embarcação, ficando cara a cara com o seu capitão. Num gesto calculado, ela estendeu a mão e outros tripulantes foram ao resgate de seu líder. Mas, nada disso se provou necessário. Ele deu sinal para que parassem onde estavam, e então tirou de sua cabeça a boina que tinha usado desde pouco antes de perdê-la. Ninguém seria capaz de afirmar com precisão, mas a figura marinha pareceu esboçar um fraco sorriso. Ajeitou o acessório na cabeça dela e em troca, recebeu uma ostra prateada, semiaberta, com um objeto dentro. Edward abriu a concha e não foi capaz de segurar as lágrimas. Era o anel de noivado que entregou a ela pouco antes de consumar o casamento. Infelizmente, havia se perdido ao mar junto com um pedaço inestimável de sua alma. Colocou o anel em seu dedo anelar, e a encarou com os olhos marejados, cheios de emoção. Uma paixão que nem um milhão de anos iria desfazer. Não conseguia dizer tudo o que sentia em palavras, por isso apenas retribuiu o sorriso e nada mais precisava ser dito. A figura misteriosa submergiu e desapareceu no oceano da eternidade. E tão subitamente quanto surgiu, a atmosfera sombria e densa se dissipou.
A súplica de Edward, repetida dia após dia, tinha sido enfim atendida e nada poderia tê-lo feito mais feliz. Sabia que a vida era uma mistura de amores e desilusões, destruição e reconstrução, mas nunca deixaria de lembrar e de pescar com suas próprias mãos o amor que tinha pela vida.