O pássaro que levou minha infância
Com total certeza, posso afirmar que a infância foi uma época calma e tranquila da minha vida que ainda levo em minhas memórias com bastante apreço. Um período feliz, em que explorei o mundo com muita inocência, sem nenhum evento que pudesse dar quaisquer indícios da pessoa que eu viria a me tornar. Durante boa parte daquele tempo, minha família e eu moramos ao lado de uma pequena igreja, onde tive meu primeiro contato com a beleza natural. Sem quaisquer muros ou cercado, aquele lugar exalava uma atmosfera agradável, em grande parte, por conta do seu lindo jardim, produto do trabalho consistente de um alguém invisível, o lugar estava sempre impecável. Algumas flores de manacá-da-serra, uma grama longa o suficiente para afundar todos os dedos do pé e pedrinhas coloridas presenteavam meus olhos por todas as direções daquela paisagem verde. Aos fins de tarde, para trazer luz ao caminho de ladrilho que passava pelo jardim em direção a entrada, acendiam-se alguns postes de jardim com brilhosas luminárias esféricas. Aos meus olhos infantis, aquelas luminárias redondas possuíam um encanto um tanto misterioso. Certa vez, quebrei uma delas pra ver o que tinha dentro, em seguida, outra. E para a minha decepção, não havia nenhum objeto mágico guardado em seus interiores. Quanto a essa parte do relato, peço que não preocupem, uma criança aparentemente um pouco menos quieta que eu acabara levando toda a culpa por tal incidente. Numa noite qualquer, por volta das nove horas, eu e alguns amigos brincávamos na frente da tal igreja quando pousou um pássaro gigante sobre seu telhado, naquela penumbra, só era possível observar o contorno de uma figura grandiosa, algumas partes mal iluminadas que sugeriam a presença de penas naquela criatura. Que coisa colossal! Questionei ao meu pai que bicho era aquele e, prontamente, obtive minha resposta. Tratava-se de um monstro cruel que se alimentava dos glóbulos oculares de crianças malcriadas enquanto elas dormiam. Nessa mesma noite, eu tive um sonho horrível com a droga do pássaro. Olhando agora, sinto-me com clareza o suficiente para concluir algumas coisas. Primeiramente, gostaria de esclarecer uma tremenda injustiça, aquele pássaro não era de forma alguma cruel, pelo contrário, se pudéssemos afastar toda a penumbra e o medo infantil, veríamos que ele carrega um olhar nostálgico sua face, um tanto melancólico. Quanto ao meu pai, temo que ele nunca esteve errado, passada mais de uma década desde o incidente, nenhuma das crianças presentes naquele momento enxerguem a vida da forma que outrora enxergara, fosse por conta daquela noite ou pela junção de todas as noites que a sucederam, nem eu ou meus amigos ainda possuímos os mesmos olhos. Por fim, creio que a única explicação plausível para aquela resposta do meu pai é que ele eventualmente acabara descobrindo a verdade sobre a história das lâmpadas.