Menino Dos Meus Olhos

 

Numa manhã cinzenta e chuvosa acordei mais cedo, como de costume pus-me a cantar pelos cantos da grande casa e a juntar as tralhas que no dia anterior havia deixado espalhadas no chão da sala. Morava numa casa solta no mato, onde uma parte da floresta engolia os meus dias. Como conseguia vivenciar isso sozinha não sei, mas nunca quis viver com ninguém. Minha mãe sempre dizia: Maria, você não nasceu pra ter filhos, você vai viver constantemente sozinha. Não sei como você consegue menina, morar numa região tão isolada e sozinha. Escutava aquilo tudo em silêncio, pois era a forma de concordar com a minha mãe. Mas, eu costumava descer à cidade e ter meus compromissos normais como qualquer pessoa: trabalhava, estudava e tinha meus inúmeros amigos que de vez enquando, vinham até a minha casa para esquecer um pouco a poluição da cidade grande, o barulho do trânsito infernal do dia a dia.

Eles costumavam dizer que aquela casa tinha sido o melhor presente que meu pai, já falecido, havia me deixado.

Quando ficava perdida em meus pensamentos imaginava meu pai despertando o dia naquele casarão. Assim era meu pai um jovem senhor galopando à cavalo, cuidando de tudo com as suas próprias mãos, troteando a própria vida. Uma vida exemplar e tão sofrida, porém nunca parava para pensar no mal que lhe havia acometido e que consumia os seus dias. Nunca deixava os empregados fazerem tudo sozinhos, enquanto pode viveu feliz e construindo alguma coisa. Quando as obrigações da cidade grande terminavam ele corria para o casa. Falo casa, só que ninguém pode chamar de casa uma residência que tem dez quartos e seis banheiros, além claro,  da beleza natural que assistia, no alpendre: o raiar de um novo dia com o cantar dos pássaros, cada um mais lindo que o outro. Não se pode dizer que viver ao lado de outras espécies animais se viva sozinho.

Já li a respeito, o homem não é uma ilha. Comigo não era diferente precisava dos meus amigos, da loucura de vez enquando da cidade grande.

Essa agitação atiçava a minha adrenalina, fazia circular mais sangue em minhas veias. Sempre havia uma novidade, quando não no mundo da moda, no próprio movimento da cidade ou dos esportes que eu apreciava e praticava. Eu também gostava de tudo isso. As notícias de violência que se atribuía aos imigrantes vindos de vários estados brasileiros eram sempre motivos de manchetes dos principais jornais da cidade, nada de diferente ou anormal, afinal a cidade crescia e com ela as consequências boas e más. A própria construção geográfica da cidade era uma atribuição ao que ocorria no presente. O Rio de Janeiro tem la suas razoes de ser assim. Houve essa falha no governo de Sales. Só é ler um pouco da história pra saber que isso levou as favelas,  o desajuste habitacional. A forma estrutural interferiu no geográfico. 

Bem, a vida de um modo geral não parecia ter muita novidade, tudo acontecia sempre igual. Para mim evidente, porque para outras pessoas era incrível, como eu poderia querer viver assim, no meio do mato dentro de um dos maiores estados do país. Quase todo dia eu ia à cidade, era uma verdadeira viagem no ir e vir. Considerava isso um hobby, uma aventura, apesar do cansaço que às vezes isso me causava. Confesso que muitas ocasiões pensei em me mudar, ficar mais no centro de tudo, principalmente perto da família que ficava aborrecida com a minha ideia de viver assim.

No meio a tudo isso surge o incomum. 

Um certo dia apareceu em minha porta, vinda não sei de onde, uma mulher. É certo que ali também havia moradores, só que um pouco distante. Quase chegava a me sentir na europa, onde as moradias são distantes uma das outras.

Bom dia, disse ela.

Bom dia, respondi.

-Em que lhe posso servir?

Ela respondeu: Estou procurando uma pessoa para dar esse menino e contou que havia perdido o marido em um acidente de carro. Ela chegou a provar isso através de papéis e disse que não tinha como ficar com aquela criança. Comentou que estava muito doente e não teria muito tempo de vida, falou que seus familiares eram poucos como também moravam distante dali, além dela não saber mais do endereço deles direito por ter saído muito cedo de sua terra natal e não manter correspondências. Muita aflita e soluçando disse saber que eu era solteira e que morava sozinha.

A mulher não demorou muito a expressar seu desejo, pediu-me para eu adotar a criança. Fiquei perplexa, estática. Parei até de pensar por um momento. Depois comecei a cogitar. Como morando tão distante aquela mulher foi aparecer assim, na luz do dia na minha porta? Como ela poderia imaginar que eu, independente, livre igual aos pássaros iria querer adotar uma criança. Do jeito que eu vivia querer uma criança, com certeza pentelha? Ali naquele fim de mundo, nunca. Pensei em xingar aquela mulher, levantei o braço para mostrar-lhe a direção da rua, foi quando ela disse: Senhorita o médico me deu só um mês de vida, já rodei tudo por aqui, até as casas vizinhas e outras a uns quilômetros daqui. Próximo de onde ela trabalhava ninguém queria a criança.

Eu disse: Então, leve-a para uma instituição que eles vão conseguir ficar com a criança e conseguir uma mãe para ela.

Ela sorriu, olhou para os meus olhos profundamente e dando um leve suspiro, desabafou:  A mãe para o meu filho é a senhora. Eu devia está sonhando claro, daqui a pouco iria acordar e iria achar graça disso tudo. Ela tambem e vidente. Como poderia? E as minhas viagens, meus passeios, meu surfe. Não, não era sonho, aquela mulher estava ali parada na minha frente com uma retórica impressionante de quem sabe o que quer e como conseguir.

Não sei como eu acabei cedendo. Acho que ela

poderia ser uma oradora ou uma advogada, soube buscar as palavras certas, mágicas para me envolver no seu drama e pensar que ela uma mulher franzina, estatura mediana, humilde. Mesmo assim pudesse ser tão forte, tão convicente. Lógico que nao foi no mesmo dia wue o coseguiu, busquei saber tudo referente a ela e tudo que a envolvia.

Mas uma vez a minha mãe ficou perplexa com a situação.  Você só pode está fora do seu juízo,  afinal aparece alguém do nada com uma história incrível e você se joga. Você sabe como são essas coisas. Olhos vivos. Como isso pode acontecer?  Você morando tão longe do centro?

Logo um menino Foi batizado, registrado e passou a morar comigo, fazer parte integral da minha vida.

A mulher não pode acompanhar por muito tempo o processo dessa maternidade. Ela realmente veio a falecer  como dissera do seu problema de saúde. Ela viver por alí foi opção do marido dela quando vivia por trabalhar perto daqueles casarões.  Difícil foi conciliar tudo e acostumar com tudo tão rapidamente.

Enfim, fui me acostumando com a nova situação,  como tudo pra mim era uma aventura, ele veio fazer parte dela. A vida foi passando e eu me adaptei aquela situação. O tempo passou tao rapido e hoje ja e um raoaz feito. Um homem feito, antes de sair para o trabalho deixa tudo certo, para que não me falte nada. Acorda-me todas as manhãs e leva-me para tomar banho de sol. Com muito carinho renascem os meus dias, diante de suas histórias, velhas histórias contadas por alguém tão jovem. Todavia, como se já tivesse vivido muitos anos. Fala de um passado que eu não conheço, escreve na linha do tempo um encontro perfeito que eu não contava com ele e que mostra que o homem não é uma ilha e que coisas inexplicáveis pode colaborar para ser um milagre em nossas vidas.

Nunca pensei que iria herdar por hereditariedade a doença do meu pai, degeneração óssea, como nunca havia pensado que um dia teria um filho, anjo que bateu a minha porta para carregar-me aos braços e fazer meus dias mais leves, sendo o menino dos meus olhos até meus últimos dias.

Assim foi nos meus últimos anos de vida e fui escrevendo porque não poderia deixar de registrar esse fato, esse presente de Deus em minha vida. 

-Deixo pra vocês a minha história escrita ao longo do tempo, enquanto eu pude escrevê-la.

Como o destino pode vir a gente nos trazer o que nós precisamos sem que seja perceptível aos nossos olhos o valor da dádiva? Pois é meio esquisito a forma que ele chegou,  mas acrescentou nos meus dias alegres e no fim aos meus dias tão sofridos.