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Sabor de mãe
Nas noites insones, o personagem principal que atua em meus pensamentos é aquele que representa a efemeridade da vida. Isso devido aos bônus da maturidade que têm me dito verdades nada secretas. Uma delas é sobre a partida de meus entes queridos. Quando eles se vão , o que fica rememorado em mim, são os momentos mais singelos, pelos quais passamos. Vivencio essa minha convicção, ao entrar em uma padaria e deparar-me com as quitandas nas prateleiras de vidro. Num segundo, transporto-me ao melhor lugar do mundo - nossa casa, quase que abraçada pelo mandiocal verdinho, plantado por papai. Silenciosamente, peço licença aos chilenos , para lhes dizer que o "Vale Nevado" era logo ali, nos jiraus de nosso quintal, onde repousava o polvilho gracioso, transmutando num biscoito gostoso, aromatizando nosso universo infantil. Uma das melhores quitandas feitas por mamãe era o biscoito frito de polvilho, não havia medidores, os gramas dos ingredientes usados já estavam de cor e salteado em sua memória - aí, já é outra história! Seus familiares que moravam em outras cidades mineiras e em outros estados da Federação, não retornavam aos seus lares, sem antes degustar essa iguaria feita por ela. O biscoito frito de polvilho de Dona Maria Teresa era famoso - foi até manchete do "Nosso Jornal", Jornal local - ainda hoje, atualizando os moradores da pequena cidade com suas notícias fresquinhas , embora a mais requintada receita que ela nos deixou, foi sua simplicidade!
Sendo mamãe uma pessoa desapegada, solidária com os mais vulneráveis - imaginem só com os filhos! Quando ela fazia os biscoitos fritos de polvilho, era uma festa! Ainda sinto o delicioso sabor do queijo ralado, incorporado à massa. Ficava ali, ao seu lado, beliscando um pedacinho aqui, outro ali, antes de serem amparados pela banha de porco quente, muito quente , na panela de ferro sobre a chapa do inesquecível fogão à lenha. Os de formatos convencionais eram modelados por mamãe e os de bichinhos pela minha irmã Regina e eu - um tanto descaracterizados, todavia velhos conhecidos nossos . Até o Juca, nosso querido vira- lata era figura cativa nesses momentos. Biscoitos fritos sequinhos na cesta de bambu forrada com tecido xadrez , o saboroso café quentinho vindo do bule verde esmaltado , decorado com uma flor - um primor que só, aquecendo nossas tardes ao som longíquo dos sinos da Igreja Matriz, anunciando a Ave-Maria - aos meus ouvidos , a mais bela poesia! Há dezoito anos, estão cravadas em mim, num esmerado relicário, as lembranças desse cenário...