(Arquivo pessoal)
Meu feijão em flor
Passei por um longo período de minha vida sem plantar uma cebolinha sequer, destoando de minha infância e adolescência, na companhia das mangueiras, jabuticabeiras, das hortas e jardins caseiros. Nos dias mais tortuosos da pandemia, se assim posso defini-los, numa desolação sem fim, devido a esse bombardeio que ainda nos assola, vez por outra, ouvia de uma pessoa muito querida:
- Cultive plantas em casa, vai lhe fazer bem, vai lhe dar muito prazer!
Como não acatar os ensinamentos dessa alma poética com olhar de extrema sensibilidade, tal qual o saudoso Rubem Alves?
Mãos à terra! Ganhei mudinhas de uma amiga, outras colhi nas calçadas da rua onde moro e quando pensa que não, estava totalmente envolvida pela "jardinagem". Suponho eu que até Rosa Kliass, uma das primeiras mulheres paisagistas do Brasil, ofertaria-me uma mudinha de rosa cor-de-rosa. A cada amanhecer, contemplo todas elas, observando carinhosamente suas peculiaridades. Aí, não tem jeito, é da anfitriã a vaidade! Por sugestão de minha filha, tenho um aplicativo em meu celular, que revela-me o nome de pia de toda e qualquer planta ao ser fotografada. Tecnologia e suas magias!
O meu xodó e um mimo que só é o pezinho de feijão. Os grãozinhos expostos nas embalagens plásticas da prateleira fria do supermercado, atualmente, pulsam em minha janela com a elegância e a beleza da esmeralda, refletindo em mim, a sabedoria de um grande escritor mineiro - João Guimarães Rosa, em seu romance, "Grande Sertão Veredas":
(...)
"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem..."
As flores branquinhas sinalizam a meu ver, a delicadeza e a grandeza da transformação, dando boas-vindas às vagens que enriqueceram a salada do almoço, com quase todas as cores do arco-íris. Sabendo-se que nosso país é o maior produtor de feijão do planeta e dois grãozinhos dessa leguminosa foram plantados por mim, ampliou-me ainda mais o respeito às nossas matas, aos nossos cerrados, nossos rios , certificando-me também que a beleza está em sermos iguais, sermos diferentes, sermos todos iguais, reverenciando o que temos de mais valioso - as badaladas de nosso coração!
Em se tratando de meu feijão em flor, vem-me à lembrança, minha saudosa mãe cozinhando essa iguaria que borbulhava preguiçosamente, no fogão à lenha. Visualizo seu rádio de pilha e ouço longinquamente sua voz fazendo coro à "Flor do Cafezal" , nas vozes de Cascatinha e Inhana, saudade que luz emana...