O BEBÊ DE MARIA LOUCA

A escadaria, em meia lua e revestida de mármore, da Casa de Caridade Nossa Senhora das Dores, foi um obstáculo à mulher de aparência miserável que a escalava vagarosamente, parando a cada degrau. Quando ela atingiu o topo, porém, foi impedida de prosseguir. Não poderia entrar. Retroceder já não era possível, faltavam-lhe forças. Então, deitou-se ali mesmo e gemendo esperou. Chorava, talvez pela dor física que lhe infligia nas entranhas o filho que lutava para nascer ou porque, iluminada por um rasgo de lucidez, sentisse o quanto lhe era penoso constatar que servia de ilustração a um quadro patético do desamor humano.

Às pessoas que passavam nada de extraordinário acontecia. Gemidos eram comuns naquela escada. Algumas até paravam, porém ao ver de quem se tratava, prosseguiam indiferentes.

Ela esmolava às portas, fizera-se uma figura do cotidiano da cidade. Era a Maria Louca, que divertia crianças; que servia de chacota aos adultos; que levava às costas um saco de aniagem quase do seu tamanho, no qual recolhia nas ruas qualquer coisinha que lhe chamasse atenção.

Maria Louca um dia ficou grávida. A barriga foi crescendo e ninguém via, nem mesmo ela. Sua vida continuava igual. Dormia onde quer que o sono lhe surpreendesse. Gritava, às vezes, no meio da noite. Outras vezes ria, gargalhava, mesmo quando maltratada, enxotada; ou quando lhe arrancavam das costas o saco de lembranças. Ela não se importava.

Maria Louca sabia que naquela casa bonita nasciam bebês. Já estivera lá muitas vezes. Verdade que nunca ultrapassara os limites da porta de onde sempre fora espantada, depois de ganhar alguma coisa para comer e de ouvir choros de bebês.

Ela acreditava que aqueles movimentos em sua barriga eram de um bebê. Acostumara-se com eles. Gostava. Às vezes, num gesto de ternura, passava a mão sobre a barriga e, sem atinar por que, chorava.

Um dia soube, as mães sempre sabem, que estava na hora. Algo lhe dizia que seu nenê queria nascer e se dirigiu para a escadaria da casa bonita.

O senhor idoso, da lojinha em frente, informou que a porta fora fechada quando Maria Louca atingiu o último degrau. Sem alternativa, ela deitou-se ali mesmo onde, durante duas horas, se contorceu e gemeu até ouvir o chorinho.

Por força da circunstância, a grande porta voltou a ser aberta e Maria Louca pode, por fim, adentrar a casa bonita. Dois dias depois, outra vez ela estava no topo da escadaria. Sendo posta para fora.

Então, sentou-se naquele degrau, acomodou no colo seu lindo bebê, que já sabia dizer mamãe. Era de plástico. E ofereceu-lhe o seio pingando leite. Depois, desceu os degraus com o maior cuidado, cantarolando uma canção de ninar que só ela entendia e assim seguiu, sem rumo, acalentando o pequenino com uma ternura tão grande, tão verdadeira...

MCSobrinho
Enviado por MCSobrinho em 12/06/2021
Reeditado em 15/06/2021
Código do texto: T7277233
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