TEM VAGA
Numa noite de natal pai e filho conversam:
-Filho que alegria ter você aqui! Pensei que não viria.
-Foi muito difícil! Tive que rebolar para estar aqui, mas eu não poderia deixar o senhor passar o natal sozinho. Sempre passamos juntos.
-É! E esse ano somos só nos dois. Sua mãe nos deixou.
-Que saudade pai!
-O primeiro ano sem ela. Sua mãe era a grande estrela que brilhava nessa casa e em nossas vidas. Ah como está sendo difícil!
-Nossos natais sempre foram maravilhosos.
- Qual foi o seu melhor natal garoto?
-Hum! Gostei do garoto!
-Meu garoto hoje é um homem!
-O melhor natal foi aquele em que o senhor, digo, o tal do papai Noel colocou um carinho bem do lado da minha cama. Quando eu acordei achei o carrinho e fiquei muito feliz. Parecia que eu estava descobrindo um grande tesouro! Então andando pela casa fui encontrando vários carrinhos parecidos: Na sala, na copa, na cozinha e até no banheiro. Cada cômodo uma surpresa agradável.
-É garoto aquele era um papai Noel pobre. Comprava carrinhos baratinhos. Um papai Noel com pouco dinheiro.
- Ah eu lá sabia o que era dinheiro? Queria apenas brincar.
- E qual foi o seu melhor natal pai?
O meu natal marcante aconteceu quando você era ainda muito pequeno. Numa noite chuvosa de natal eu ouvi alguém bater à porta. Fui atender e olha só que interessante: era uma casal muito pobre. Duas vitimas desse nosso sistema tão injusto. Sujos, maltrapilhos e com uma profunda expressão de sofrimento nos olhares. A mulher estava grávida, pelo que eu percebi já em vias de dar a luz. Pediam abrigo e algum alimento. Eu era medico recém-formado. Estava passando por uma fase muito difícil começando minha carreira.
Fiquei olhando para eles durante alguns minutos depois disse: entrem “tem vaga”.
Até hoje eu não sei por que eu usei essa frase.
-Coisas do subconsciente pai. Falamos coisas sem saber o porquê.
Eu sei apenas que fiquei com muita pena deles e os convidei para entrar e participarem da nossa magra ceia. Não tínhamos muito, mas dividimos o pouco.
Cerca de uma hora depois a mulher começou a sentir as dores do parto. Eu não tinha carro na época, morávamos longe do hospital, nem telefone tínhamos e eu acabei fazendo o parto ali mesmo. Uma criança nascendo na nossa sala na noite de natal. Pode imaginar um presente maior?
- E depois o que aconteceu?
-Tínhamos pouco na época, mas mesmo assim ajudamos àquele casal. Eles moraram um tempo aqui e depois também com nossa ajuda, voltaram para sua terra. Nunca mais os vi.
- o senhor nunca me contou isso.
-verdade. Nem sei por que nunca mencionei essa historia para ninguém.
-Que linda historia.
-Foi muito mais que issofilho. Jamais me esquecerei daquela noite. Recordo-me dela todos os dias , e sempre sinto uma alegria indescritível toda vez que lembro. Uma sensação de paz e júbilo. Acho que a minha recompensa é essa.
- Pai o senhor tem certeza que a historia é essa mesmo? Foi exatamente assim que aconteceu?
-Esta me chamando de mentiroso menino?
-Não é isso. É que conheço uma historia parecida.
Tem certeza que naquela noite de natal tinha vaga?
-Sim filho. Pelo menos naquela noite tinha vaga.
-Feliz natal pai.
-Feliz natal filho.