METÓDICO

Ele acordou pontualmente às 5 da manhã. Nem um minuto a mais. Não precisava de despertador sempre acordava a essa hora

A partir dali cumpriria uma extensa rotina:

Ainda deitado rezava um pai nosso, uma ave Maria, um gloria ao padre e declamava o versinho aleluia amém proteja eu e o mundo e nos traga todo bem. Fazia algumas orações rimadas. Virava para o canto, coçava a cabeça, esticava o braço esquerdo para a direita e o braço direito para a esquerda, repetia o movimento três vezes. Quando errava dava um tapa em suas pernas e dizia: idiota é o contrário, faça as coisas direito. Batia palmas por três vezes para saudar o novo dia. Descia da cama tendo o cuidado de colocar sempre o pé esquerdo primeiro no chão, os manuais de boa sorte dizem o contrário, mas como ele era do contra fazia assim. Depois com o pé direito batia cinco vezes no chão, e repetia o movimento com o pé esquerdo. Calçava o chinelo, o pé esquerdo sempre primeiro, depois o direito. Ia até o banheiro dando pulinhos com os dois pés como se quisesse voar. Escovava os dentes segurando a escova com as duas mãos, e na hora de cuspir a água friccionava levemente a orelha como quem abre uma torneira. Fazia outros rituais no banheiro, que prudentemente não vamos relatar por aqui. Para tomar o café comia o pão pelas beiradas até chegar ao miolo, quando estava faltando pouco para terminar, abria o pão e lambia toda a manteiga dentro dele. Só depois de comer o pão todo puro tomava um copo duplo de café em pequenos goles enquanto fazia careta. Saia para trabalhar sem pisar nas riscas da calçada e de vez em quando dando pequenos pulinhos. Quando encontrava uma garagem ia até a rua fazendo um quadro em torno dela e depois voltava para a calçada. Quando ia atravessar a rua corria desembestado como se alguém o perseguisse.

No trabalho assumia sempre as mesmas posições e falava sempre as mesmas frases decoradas. Nada podia estar fora do lugar e exigia a limpeza absoluta do ambiente. Ao falar começava sempre com um aham, no meio das frases usava um discurso formal e rebuscado com belos arcaísmos e dizia sempre: justo, justo, justo (três vezes) e terminava o discurso com a frase é isso e acabou. Exigia a perfeição de si e dos outros. Almoçava e jantava com o prato na mão ouvindo musicas do celular e cantando. Após o jantar tomava um banho de aproximadamente 40 minutos começava esfregando o corpo em círculos começando pelos pés até a cabeça. E o dia terminava.

Depois do jantar dormia assistindo ao telejornal. Ficava um tempo no sofá depois acordava assustado dava três pulos, desligava a tv. batia três vezes na tela e ia para o quarto dormir.

Já na cama seu ultimo ritual era soprar três vezes no ar antes de adormecer totalmente

Amanhecia e tudo recomeçava.

Manias, rituais em tudo. Muitos contei aqui, mas outros não contarei, por que se não encheria páginas e mais páginas e cansaria o leitor. Em alguns momentos refletia sobre a inutilidade de tudo isso e achava que era tempo perdido. Mas mesmo assim continuava nessa rotina.

Um dia ele não acordou então o sistema foi desfeito e obviamente nenhum ritual foi cumprido. Nunca mais seria.