O INCOMPREENDIDO AMOR DAS ESTRELAS
 
Seres humanos realmente são feitos de poeira de estrela, segundo ...

Por Leont Etiel
 
Quando o outrora viajante interestelar deitou olhos à autoestrada, o dia já se despedia, com as derradeiras fagulhas de claridade espraiando-se num crepúsculo introvertido e melancólico. Habituado a viagens com velocidade estabilizada ao movimento da luz, o que lhe deixou, como decorrência, um modo hermenêutico rápido de pensar, ele agora teria, porém, que realizar um vagaroso percurso estrada avante observando as estrelas.
Lá estão elas, noite a noite. Parece que estão ali desde sempre, e assim permanecerão. Mas não se passará dessa forma, deu-se conta o viajante. Todas as estrelas que espalham brilho pelo céu um dia se apagarão, com outras ocupando o seu lugar, e talvez sequer as vejamos, conjeturou ele. Estrelas não são eternas, assim como nascem, também inevitavelmente morrem. Grandes, médias e pequenas. Sua própria natureza e seu funcionamento colocam-nas perante uma intransponível barreira temporal desde o nascimento, quando, logo que começam a brilhar, ainda se confundem com o emaranhado de gás e poeira de onde nasceram.
À medida que o viajante empreendia passos na autoestrada, ocorreu-lhe um comparativo entre o fim das estrelas e de determinados contratos matrimoniais. Há semelhanças, imaginou. Ao esgotar o hidrogênio de seus núcleos, as estrelas pequenas e médias iniciam uma lenta metamorfose que as conduzirão inevitavelmente ao seu fenecimento. Simplesmente: sem hidrogênio em seus centros, a fusão nuclear é paralisada.
Todo o coração da estrela se converte em hélio, mas as pressões e temperaturas não são suficientes para fundi-lo, e assim se obter a energia extra para garantir a continuidade da existência. O viajante sentiu-se compelido à nostalgia com a consequência que se lhe assomou à mente: como já não há radiação para neutralizar a gravidade, a estrela começa a se comprimir. Haverá ainda algum suspiro, mas o fim já se apresenta inevitável. Lembrou então que há contratos matrimoniais que se comprimem por serem apenas relações, tendo um núcleo de fusão esgotado, e mesmo assim se mantêm. Seja como for, caminhando numa autoestrada iluminada pelas estrelas, o nosso viajante, lançando mão de conjunturas sobre o essencial das coisas, concluiu então que tal facto é algo menor na escala do cosmos.
Mais significativo, murmurou de si para si, é pensar que os cimentos da vida são apenas um punhado de átomos - encabeçados pelo carbono - que, em princípio, se organizam como moléculas orgânicas. E que depois, graças ao aporte de descargas elétricas e a radiação ultravioleta do sol, se aglutinam em estruturas mais complexas, como o DNA, os aminoácidos e as proteínas. O viajante deteve-se um pouco e levantou os olhos ao céu sob o impacto das camadas de pensamento que tomaram conta de seu raciocínio: resulta impressionante que todos os átomos de todas as formas de vida terrena se tenham formado no interior de estrelas muito massivas. Que sóis primitivos, ao morrerem, tenham lançando seus materiais reciclados ao espaço – a partir do hidrogênio primário -, banhando o meio interestelar e as grandes nuvens de gás e poeira que dão origem as estrelas e aos planetas.
Paralisado a um canto da autoestrada pelo sentimento de epifania, em meio ao silêncio noturno, o nosso viajante viu chegar às suas conjecturas a explicação sobre a forma como tais materiais, biologicamente fundamentais, provavelmente aportaram à terra mediante embaixadores como asteroides, meteoritos e cometas. E agora, concluiu ele, aquelas cinzas de estrelas mortas estão vivas em mim e em você. O incompreendido amor que elas nos legaram: a vida.

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Dust in the wind/Nós somos poeira no vento: https://youtu.be/4Tj6baO8e6E