O FANTASMA DO MARIDO CIUMENTO
Leandro fora um namorado ciumento. Essa condição, porém, não preocupava Laila, que estava apaixonada. Ingenuamente ela acreditava, como costumam acreditar, as apaixonadas, que quando casarem, ele mudará.
E Leandro mudou. Para pior.
O ciúme patológico, do homem, ganhava novos contornos, à medida que o tempo transcorria. De forma que começou a corroer a relação. Provocava dor, magoava. As atitudes mais simples, da esposa, eram cerceadas. Ela não podia mais nada. E só estavam casados há cinco meses.
Na tentativa de preservar a união, Laila decidiu ter uma conversa séria, com o marido. Pôs as cartas na mesa. Disse que não aguentava mais e , nesse ritmo, pediria separação. Leandro não gostou, mas respondeu que se esforçaria para mudar.
Mas não mudou.
Pouco tempo depois, Laila voltou ao assunto. Alegou que estava sendo anulada, em função daquele relacionamento doentio. Ele prometeu que iria se esforçar. Se ela tivesse um pouco de paciência, veria que logo, logo estaria tudo bem. Ele a amava e não queria perdê-la.
Como a conversa não surtira o menor efeito, Laila não aguentou mais e pediu o divórcio. Foi taxativa.
Na iminência de perder a linda esposa, Leandro caiu em si. Prometeu solenemente que mudaria; pediu perdão; disse que a amava; que não viveria sem ela; fez drama, chorou. Mas ela foi irredutível.
Cansara.
O episódio tirou a paz do ciumento, que não conseguiu dormir àquela noite. Rolava na cama, angustiado e o sono não aparecia. Se cochilava, os pesadelos o torturavam, com ameaça da separação. Mal o dia amanheceu, pulou da cama, extenuado. Com o cérebro rodopiando, pegou o carro e rumou para o trabalho. Em alta velocidade, com o pensamento da separação martirizando-o, perdeu o controle do veículo, numa curva perigosa, bateu numa rocha do barranco e morreu.
A liberdade de Laila chegou de forma inusitada. Durante algum tempo, não muito, ela chorou, sentindo-se culpada. Depois acalmou-se. Afinal, estava livre. Jurou que, doravante, para começar uma nova história de amor, coração e razão teriam que compartilhar as decisões, porque, quando o coração toma as rédeas, sempre acaba fazendo trapalhadas.
Não obstante a morte do marido, Laila não conseguira se livrar das amarras que a prendiam a ele. Sua mente estava impregnada da forte presença dele, da imagem dele, do irracional ciúme dele. Para onde quer que fosse, ele a acompanhava. Se falasse com alguém, se vestisse uma roupa um pouquinho mais ousada, se usasse maquiagem, ele estava presente, determinando, dizendo o que podia, o que não podia, enlouquecendo-a. Para onde olhasse, só via Leandro. Até para a cama, ele ia com ela e interferia em seus sonhos, transformando-os em pesadelos.
Na tentativa de desintoxicar a mente, Laila procurou uma psicóloga. Não adiantou. Leandro virara uma obsessão. Ou era apenas estroinice mental? Uma perturbação, de sua própria cabeça? Ela não conseguia entender esse mistério. Estava confusa.
Aconselhada por amigos, retornou ao antigo emprego, do qual tivera que sair, ao casar. O encosto a acompanhou. Se sorria para um colega ou lhe dirigia a palavra, a voz buzinava em seu ouvido, repreendendo-a: não lhe concedera o divórcio; portanto, que se comportasse como uma viúva decente.
Para não enlouquecer de vez, Laila passou a sair com os amigos. Conheceu Miguel, o qual, a par do que ocorria com a bela jovem, dispôs-se a ajudá-la. O envolvimento emocional, apesar dos protestos perturbadores, evoluiu. Embora consciente de que ainda não estava livre, para começar um novo relacionamento, Laila não resistiu aos apelos de Miguel. Ele a fez acreditar que já se amavam o suficiente, venceriam qualquer obstáculo; mesmo do além, se fosse o caso.
Decidiram morar juntos.
A primeira noite foi um inferno, para Laila. Leandro não a deixara em paz. A presença dele era quase física, palpável, ela sentia. E sua primeira vez com Miguel foi adiada. Postergaram, também, na segunda noite. Tentaram durante o dia e ela não conseguiu. Durante vários dias tentaram. Em vão. Mas Miguel era paciente e a amava.
Como as consultas com a psicóloga deram em nada, resolveram procurar ajuda espiritual. Informaram-se a respeito e encontraram o local. Dia e hora marcados, preparam-se para sair.
Ao entraram no carro, Laila percebeu que Leandro já os esperava, sentado no banco de trás. Como já estivesse habituada com aquela presença incômoda, não deu importância. Girou a chave na ignição, olhou para o retrovisor e o viu, sorrindo, de forma estranha, entre cínica e ameaçadora, dizendo para ela:
- Não te livrarás de mim. Serás minha para sempre.
- Nunca! gritou Laila.
E pisou com força, no acelerador, culpando a si mesma, porque acreditava que estivesse vendo apenas alucinação. Coisa de sua mente, como lhe dissera a psicóloga.
A uns duzentos metros, à frente, no final da reta em declive, avistara a curva, para a esquerda e a grande pedra, na qual batera Leandro. E ele estava lá, em pé, na frente da rocha, olhando para o carro em alta velocidade e acenando para ela, atraindo-a. Ela imprimiu mais força no acelerador e foi para cima, com raiva.
Embora a batida tivesse sido violenta, Laila deixou rapidamente o veículo e ficou tranquila, porque vira Miguel saindo ileso. O prejuízo fora apenas material, pensou.
- Bem-vinda, minha querida!
Era Leandro, que continuava a infernizá-la.
- Tu de novo? Sai daqui! Vai para o inferno de uma vez, infeliz, que é teu lugar. Não és produto de minha mente, coisa nenhuma, estás morto.
- E tu também.
- Eu estou viva, bem viva. Afasta-te de mim!
- Olha para o carro.
Laila ficou chocada, com a cena fantástica, à sua frente. Ao mesmo tempo em que ela estava ali, viva, Miguel tentava tirá-la das ferragens retorcidas. Então, deu- se conta do que realmente acontecera. E chorou convulsivamente.