QUE NEGÓCIO, HEIN, SANTIAGO!
Um mil, novecentos e sessenta e oito, vinte de setembro. Cidadezinha escondida lá no recôndito do Estado. Eu, comandante do destacamento policial militar, respondia pelo expediente da delegacia.
Às sete horas, Santiago já estava de pé, à porta, me esperando. O expediente começava às nove.
Quando cheguei, ele nem me deu tempo de abrir porta e foi despejando sua história:
- Bom dia, seu delegado. Peço desculpa, mas tenho um problema urgente para resolver. Por isso estou aqui desde bem cedo.
- Vamos ver. O que aconteceu?
- O senhor sabe onde moro e conhece meu vizinho Zé Ricardo, não conhece?
- Conheço.
- Pois é. Ontem ele matou um porco e me convidou para jantar na casa dele. Fui com minha esposa. Fizemos uma festa, comemos e bebemos. Ele me fez beber além da conta, aproveitou que eu estava bêbado e raptou minha esposa. Se levasse só ela, tudo bem, mas o safado levou junto meu filho de três meses. Sei que foi para a casa do pai dele, que mora aqui na cidade vizinha.
- E a mulher dele?
- Deixou. Preciso saber de que forma posso resgatar meu filho. E a mulher, se ela quiser. O senhor pode fazer alguma coisa? O endereço do pai dele está aqui neste papel.
Peguei o endereço e mandei Santiago para casa. Mais tarde precisava mesmo ir àquela cidade, aproveitaria, portanto, para destrinchar a história que achei mal contada.
Curioso para descobrir o que havia realmente nas entrelinhas do que Santiago me contara, mal terminei o expediente da manhã e rumei para a cidade vizinha. Fui direto no endereço do papel. Bati à porta e o próprio Zé Ricardo atendeu. Questionado a respeito, disse que ele e Santiago fizeram um negócio, com o qual as mulheres concordaram plenamente.
- Como? Que negócio?
- Trocamos de mulher e eu tive que voltar a metade do porco e mais umas bugigangas que Santiago exigiu, para fechar o negócio.
Zé Ricardo ainda falava, quando a mulher apareceu e confirmou. Tanto ela quanto a outra participaram da negociação e concordaram. Isabel, a que falava, já estava, inclusive, decidida a deixar Santiago, até porque a criança que trouxera era filha de Zé Ricardo. O momento fora oportuno.
- Se assim foi, por que saíram durante à noite, como fugitivos?
- Porque tivemos medo da reação de Santiago, quando o porre passasse. Em mais alguns dias, quando soubermos que já não há perigo, voltaremos para casa.
Fazer o quê? Deixei os dois e regressei à minha cidade. Ainda havia alguma coisa obscura, que precisava ser esclarecida, para satisfazer minha curiosidade. Por que temiam Santiago? E por que Santiago não estava satisfeito, se a mulher que ficara com ele era mais jovem e mais bonita? Procurei-o. Então, ele confessou que de fato fizera o negócio, mas fora enganado.
- Enganado, de que forma, se ficaste com a mulher mais nova e mais bonita e ainda tiveste volta na transação?
- Seu delegado, é que ela não é bem mulher – falou baixinho, quase sussurrando, para que ninguém ouvisse.
- Como? Mas que história é essa?
- Ela é metade homem, metade mulher, tem as duas partes, o senhor entende?
Entendi. E o caso foi encerrado.